Fritjof Capra: o Tao da Libertação de M. Hathaway e L. Boff

Em 2010 Mark Hathaway e eu publicamos em inglês um livro que nos tomou cerca de 12 anos de pesquisa:”The Tao od Liberation:exploring the Ecology of Transformation”(Orbis Books, N.Y.) Ele americano-canadense, pedagogo, com vários anos de trabalho no Peru e esperto em astrofísico e cosmologia e eu ecoteólogo.Foram muitos encontros seja no Canadá seja no Brasil. O livro ganhou a medalha de ouro da Fundação Nautilus que premia livros inovadoras em várias áreas do saber. Nosso prêmio foi em “Cosmologia e Nova Ciência”. Ao ler o manuscrito, Fritjob Capra se entusiasmou tanto que se ofereceu para fazer o prefácio que, como verão, é uma bela peça de reflexão.
O livro sairá nos inícios de 2012 em portugues pela Editora Vozes de Petrópolis. LB

         O Tao da Libertação
Explorando a Ecologia da Transformação
            Prefácio

Com o desenrolar do novo século, dois fatores vão impactar no futuro bem-estar da humanidade. O primeiro destes é o desenvolvimento e propagação do capitalismo global, o segundo é a criação de comunidades sustentáveis fundadas em praticas baseadas em eco-design.

O capitalismo global é preocupado com redes eletrônicas para transações financeiras e trocas de informações. O eco-design é preocupado com redes ecológicas e com o fluxo de energia e materiais dentro destas redes. A meta da economia global é, na sua forma atual, a maximização da riqueza e do poder das elites; a meta do eco-design é a maximização da sustentabilidade da teia da vida. Estes dois fatores estão atualmente em curso de colisão.

A nova economia, que surgiu da revolução da tecnologia da informação das ultimas três décadas, é estruturada principalmente em torno de redes de transações financeiras. Tecnologias sofisticadas de informação e comunicação facilitam a rápida movimentação de capital pelo mundo em uma incansável procura por oportunidades de investimento. Esse sistema conta com a ajuda de modelos computacionais para administrar as muitas complexidades trazidas pela rápida desregulamentação e pelo número atordoante de instrumentos financeiros.
Esta economia é tão complexa e turbulenta, o que torna impossível uma analise econômica convencional. O que nós estamos realmente vivenciando é um cassino global operado eletronicamente. Os apostadores neste cassino não são especuladores desconhecidos, mas grandes bancos de investimento, fundos de pensão, multinacionais e fundos mútuos criados com a intenção de manipular mercados financeiros. O tão chamado mercado global, em si mesmo, não é um mercado, mas uma rede de computadores programados com um único intento – fazer dinheiro; quaisquer outros intentos ficam fora da equação. Isto quer dizer que a globalização econômica tem sistematicamente excluído a dimensão ética de se fazer negócio.

Nos últimos anos, o impacto social e ecológico dessa globalização tem sido discutido exclusivamente por acadêmicos e lideres de comunidades. A análise deles diz que a nova economia está produzindo um grande número de consequências graves. Ela enriqueceu as elites globais de especuladores financeiros, empresários e profissionais de alta-tecnologia e em consequência disto aqueles que se encontram no topo da pirâmide social nunca acumularam tanta riqueza. Entretanto, as consequências para a sociedade em geral e para o meio-ambiente tem sido desastrosas; e como nós temos visto durante a atual crise financeira, a nova economia também representa um grave risco à saúde financeira de pessoas no mundo todo.

Este novo capitalismo global causou um aumento da desigualdade e da exclusão social, comprometeu instituições democráticas, teve um grande impacto negativo no meio-ambiente e alastrou o problema da pobreza e alienação. Este capitalismo ameaça e destrói comunidades locais pelo mundo afora e a sua idealização de uma infundada biotecnologia é um assalto a santidade da vida, porque torna diversidade em monocultura, ecologia em engenharia e a vida em uma mercadoria.

É cada vez mais claro que o capitalismo global em sua forma presente é insustentável socialmente, ecologicamente, e até financeiramente, e então ele precisa ser fundamentalmente re-projetado. O seu princípio fundamental que dita que fazer dinheiro tem precedencia sobre os direitos humanos, democracia, proteção do meio-ambiente, ou quaisquer outros valores, só pode levar ao desastre. Entretanto, este princípio pode ser mudado; este princípio não é uma lei da natureza. As mesmas redes eletrônicas usadas em trocas de informações e transações financeiras poderiam contar com outros valores. O problema não é tecnológico, mas político.

O grande desafio do século XXI é mudar o sistema de valores subjacentes à economia global para torná-la compatível com a dignidade humana e com a sustentabilidade ecológica.

Certamente, a maneiras de replasmação do processo de globalização já começaram. Em meados do novo século uma impressionante coalizão de organizações não-governamentais (ONGs) foi formada com esse propósito. Esta coalizão, também chamada de movimento pela justiça global, tem organizado uma série de manifestações bem sucedidas contra reuniões da Organização Mundial do Comércio (OMC), G7 e G8, e tem também organizado vários encontros do Fórum Social Mundial (FSM), a maioria dos quais ocorreu no Brasil. Nestes encontros as ONGs propuseram um novo paradigma para políticas comerciais, que incluem propostas radicais e concretas para uma reestruturação das instituições financeiras mundiais, o que mudaria profundamente a natureza do processo de globalização.
O movimento pela justiça global exemplifica um novo tipo de movimento político que é típico dessa nossa era da informação. Por causa do seu habilidoso uso da internet, as ONGs dessa coalizão são capazes de se comunicarem umas com as outras, divulgarem informações e mobilizarem seus membros com uma rapidez sem precedentes. Consequentemente, as novas ONGs globais se tornaram eficientes atores políticos independentes das tradicionais instituições nacionais e internacionais. Elas constituem um novo tipo de sociedade civil e global.

Para posicionar seu discurso político dentro de uma ótica sistêmica e ecológica, essa sociedade civil e global conta com o apoio de uma rede de acadêmicos, institutos de pesquisa, grupos de reflexão e centros de estudos que tendem a operar independentemente das instituições acadêmicos tradicionais, das organizações financeiras e das agências governamentais. Atualmente, há muitos desses institutos de pesquisa e de estudos espalhados por várias partes do mundo e eles compartilham uma característica que é conduzir pesquisa dentro de parâmetros de valores centrais a todos eles.

A maioria desses institutos de pesquisa é formada por comunidades de acadêmicos e ativistas que estão engajados em vários tipos de projetos e campanhas. Entretanto, há três grupos de problemas que parecem ser um recorrente foco de preocupação por parte dos maiores e mais ativos movimentos de classes populares.

O primeiro é o desafio de moldar as regras e as instituições envolvidas no processo de globalização; o segundo é a sua oposição contra os alimentos transgênicos e a sua preferência pela agricultura sustentável; e o terceiro é o eco-design, que é um esforço sério de remodelar estruturas físicas, cidades, tecnologias e indústrias para torná-las ecologicamente sustentáveis.

Design, no sentido mais lato, consiste na plasmação dos fluxos de energia e matéria para usos e propósitos humanos. Eco-design é um processo pelo qual os usos e propósitos humanos são cuidadosamente embutidos e tecidos na malha e no fluxo natural do mundo. Os princípios do eco-design refletem os princípios de organização que a natureza criou para sustentar a teia da vida – o contínuo ciclo da matéria, o uso de energia solar, diversidade, cooperação e simbiose e assim por diante. Para implementar esta noção de design nós precisamos mudar nossa atitude para com a natureza – do que podemos extrair da natureza para o que podemos aprender com a natureza.

Recentemente, temos visto um aumento considerável em práticas e projetos orientados por eco-design, os quais são agora bem documentados. Eles incluem a renascença da agricultura orgânica pelo mundo afora; a organização de indústrias em agrupamentos ecológicos, nos quais o refugo de uma se torna o recurso da outra; a mudança de uma economia baseada em produtos para uma economia baseada em ‘fluxo-e-serviço’, na qual matérias-primas industriais e componentes técnicos circulam continuamente entre fabricantes e usuários; edifícios construídos de acordo com um design que gera mais energia que a usada, que não produzem desperdício e que monitoram seus desempenhos; carros híbridos que são muito mais eficientes que os carros normais; e assim por diante.

Estes projetos e tecnologias baseadas em eco-design incorporam princípios ecológicos e então tem algumas características fundamentais em comum. Eles tendem a serem projetos em pequena escala, com muita diversidade, eficiência energética, não poluentes, orientados para a comunidade, de mão-de-obra intensiva e criadores de vários postos de trabalho. As tecnologias agora disponíveis são provas irrefutáveis que a transição para um futuro sustentável não é mais um problema técnico ou de fundamentos. Muito pelo contrario, é um problema de valores e de vontade política.

Mas parece que esta vontade política tem aumentado significantemente nos últimos anos. Um indício notável disso é o filme Uma Verdade Inconveniente de Al Gore que teve um importante papel na sensibilização das pessoas para uma consciência ecológica. Em 2006, Al Gore treinou pessoalmente duzentos voluntários no Tennessee para palestrar a sua mensagem mundo afora. Até 2008, esses voluntários já tinham dado vinte mil palestras para dois milhões de pessoas. Neste mesmo ínterim, a organização de Al Gore, The Climate Project, treinou mais de mil outras pessoas empenhadas pela causa na Austrália, Canadá, Índia, Espanha e Reino Unido. Eles agora são vinte seis mil palestrantes que já comunicaram a mensagem para uma audiência de mais de quatro milhões de pessoas mundialmente.

Outro importante acontecimento foi a publicação do livro Plan B: Mobilizing to Save Civilization de Lester Brown, um dos fundadores do Worldwatch Institute e um dos maiores pensadores sobre o meio-ambiente. A primeira parte do livro é uma discussão detalhada sobre a interconexão fundamental dos maiores problemas que nos afetam. Ele demonstra com extrema claridade que o círculo vicioso de pressão demográfica e pobreza leva ao esgotamento de recursos – queda no nível dos lençóis d’água, poços artesianos secam, florestas diminuem, declínio dos estoques de pesca, erosão do solo, desertificação dos prados e assim por diante – e como este esgotamento, exacerbado por mudanças climáticas, produz estados falidos cujos governos não conseguem manter seus cidadãos, alguns dos quais, num estado de completo desespero, recorrem ao terrorismo.

Enquanto esta primeira parte do livro é categoricamente deprimente, a segunda – um plano de ação para salvar nossa civilização – é otimista e emocionante. Este plano de ação envolve várias ações simultâneas trabalhando em cooperação umas com as outras, e refletindo a interdependência dos problemas que elas tentam solucionar. Todas as propostas nesta segunda parte podem ser implementadas com o uso de tecnologias que nós já possuímos, e de fato, todas essas propostas são explanadas com exemplos bem sucedidos em alguma parte do planeta.

O Plano B de Brown é talvez a mais clara documentação que temos hoje em dia de que nós possuímos o conhecimento, as tecnologias e os meios financeiros para salvar a nossa civilização e para construir um futuro sustentável.

E finalmente, a liderança e a vontade política para o desenvolvimento de uma civilização sustentável ganharam um novo ímpeto com a eleição de Barak Obama para a presidência dos Estados Unidos. As origens da família Obama são bem diversas tanto racialmente quanto culturalmente. O pai dele era do Quênia, a mãe dele era Norte-Americana e o padrasto dele era da Indonésia. Obama nasceu no Havaí e passou parte da infância lá e parte na Indonésia. Estas origens bem diversas moldaram a maneira que ele tem de ver o mundo; ele não tem problemas em se comunicar com pessoas de outras raças e de classes sociais diferentes.

Como ele passou vários anos trabalhando como organizador e animador de comunidades e como advogado de direitos humanos, Obama é um excelente ouvinte, facilitador e mediador. A sua eleição remodelou a cultura política nos EUA e está transformando a imagem dos Estados Unidos no exterior e mudando a percepção que os Norte-Americanos têm deles mesmos.

O programa político do presidente Obama representa um redirecionamento para os EUA. Os pontos principais desse programa são a rejeição do fundamentalismo de mercado, o final do unilateralismo Norte-Americano, a implementação de políticas econômicas visando o bem-estar do meio ambiente como respostas à crise mundial do meio ambiente. Obama é muito consciente da fundamental interconexão dos grandes problemas do mundo e muitos dos maiores cientistas e ativistas do planeta estão prontos a lhe ajudar na implementação desta política.
Mas algumas questões importantes ainda necessitam respostas: Porque levou tanto tempo para se reconhecer a seriedade do risco à sobrevivência humana? Porque somos tão devagar em mudar as nossas percepções, idéias, modos de vida e instituições, as quais continuam a perpetuar injustiças e a destruir a capacidade do planeta Terra em sustentar a vida? Como impulsionar o movimento pela justiça social e pela sustentabilidade ecológica?

Estas questões são centrais para este livro. Os autores, Leonardo Boff e Mark Hathaway – um do Grande Sul, o outro do Grande Norte – tem refletido muito sobre questões teológicas, de justiça e de ecologia. A resposta deles às questões acima delineadas é que o desafio maior vai além da disseminação de conhecimento e mudança de hábitos.

Todas as ameaças que enfrentamos, na visão deles, são sintomas de uma doença cultural e espiritual afetando a humanidade. Eles afirmam que: “Há uma patologia aguda inerente ao sistema que atualmente domina e explora o mundo”. Eles identificam a pobreza e a desigualdade, o esgotamento da Terra e o envenenamento da vida como os três principais sintomas desta patologia e eles observam que “as mesmas forças e ideologias que exploram e excluem os pobres estão também devastando toda a comunidade de vida do planeta Terra”.

Para superar este estado patológico, os autores argumentam, será necessária uma mudança fundamental da consciência humana. Eles escrevem que “de uma maneira muito real, nós somos chamados a nos reinventar como espécie”. Eles se referem a este processo de profunda transformação como ‘libertação’, na mesma maneira em que este termo é usado na tradição de Teologia da Libertação; quer dizer, no nível pessoal como forma de realização ou iluminação espiritual e no nível coletivo como a procura de um povo de se libertar de opressões.

No meu entendimento, este duplo uso do conceito de ‘libertação’ é o que dá a este livro seu caráter único, permitindo aos autores integrar as dimensões sociais, políticas, econômicas, ecológicas, emocionais e espirituais da atual crise global.

Como Hathaway e Boff dizem no prólogo, O Tao da Libertação é a procura pela necessária sabedoria para efetuar profundas transformações liberadoras no nosso mundo. Se dando conta que esta sabedoria não pode ser encapsulada por palavras, eles decidiram descrevê-la através do uso do antigo conceito Chinês Tao (‘o Caminho’) significando tanto o caminho espiritual do individuo como a maneira de ser do próprio universo. De acordo com a tradição Taoista a realização espiritual acontece quando agimos em harmonia com a natureza. Nas palavras do clássico texto Chinês Huai Nan Tzu: “Aqueles que seguem o fluxo da natureza na corrente do Tao”.

Neste livro, a procura pela necessária sabedoria para efetuar as mudanças de uma sociedade obcecada por crescimento ilimitado e por consumo material para uma civilização equilibrada e sustentadora de toda a vida envolve duas etapas. A primeira etapa envolve compreender os obstáculos reais que bloqueiam o nosso caminho de transformação libertadora. A segunda etapa envolve a formulação de uma ‘cosmologia de libertação’ – uma visão do futuro que é, como diz Thomas Berry, “suficientemente fascinante para nos respaldar durante a transformação do projeto humano que está atualmente em desenvolvimento”.

Os múltiplos e interdependentes obstáculos explorados por Hathaway e Boff são causados por nossas estruturas políticas e econômicas, reforçadas por uma visão do mundo mecânica, determinista e subjetiva como sentimento de impotência, negação e desespero. Os obstáculos sistêmicos externos são argumentados em grande detalhe. Estes incluem a ilusão de crescimento ilimitado num planeta finito, o poder excessivo das corporações, um sistema financeiro parasita e a tendência de monopolizar o conhecimento e impor, usando a adequada expressão de Vandana Shiva, “monoculturas de mentes”.

Os autores explicam que estes obstáculos externos são reforçados por sistemas opressivos de educação, pela manipulação dos meios de comunicação, por um consumismo generalizado e por ambientes artificiais – especialmente áreas urbanas – que nos isolam da natureza viva.

Para suplantar o sentimento de impotência, que pode se manifestar em várias formas como vício e ganância, negação, dificuldade de raciocínio e desespero, os autores sugerem que nós precisamos expandir a nossa percepção do ‘eu’. Nós precisamos aprofundar a nossa capacidade para compaixão, para construir comunidades, para solidariedade e precisamos acordar o nosso senso de pertença para com a Terra, e assim redescobrir o nosso ‘eu-ecológico’. Eles sugerem que nós devemos “concentrar nas coisas que realmente nos dão regozijo, que nos dão prazer – passar tempo com os amigos, fazer caminhadas ao ar livre, escutar música, ou se deliciar com uma simples refeição.” A maioria das coisas que nos dão realmente prazer, eles identificam, custam pouco ou são gratuitas.

Contudo, para realmente despertar e se reconectar, nós também precisamos um novo entendimento da realidade e um novo senso do lugar da humanidade no cosmo. Nós precisamos “uma cosmologia vital e fundamental”. Os autores usam o termo “cosmologia” no sentido de uma concepção comum de entender o universo que dá sentido a nossas vidas. Eles contrapõem a “cosmologia da libertação” que agora vai surgindo à “cosmologia da dominação”, que inclui “a cosmologia de aquisição e consumo”, que domina as sociedades modernas e industrializadas.

Hathaway e Boff afirmam que um novo entendimento do cosmo está surgindo a partir da ciência moderna, o qual é muito parecido as cosmologias aborígenes. Entretanto, ao contrario da maioria destas cosmologias, essa nova e científica visão do mundo projeta um universo em evolução e, portanto é um paradigma conceptual ideal para as transformações libertadoras que tanto necessitamos.

Para defender esse ponto, os autores recorrem a vários pensadores contemporâneos – filósofos, teólogos, psicólogos e especialistas em ciências naturais. Dentre a vasta gama de idéias, modelos e teorias discutidas por eles, nem todas são compatíveis entre si; algumas são “esotéricas” e definitivamente fora dos parâmetros da ciência convencional; e algumas vezes os autores extraem conclusões que vão além da ciência corrente. Não obstante, eles são admiravelmente bem sucedidos na demonstração do surgimento de um novo, coerente e científico entendimento da realidade.

Na vanguarda da ciência contemporânea, o universo não é mais visto como um aparato mecânico composto de simples elementos fundamentais. Foi descoberto que o mundo material, em última análise, é uma rede de inseparáveis modelos de relacionamentos; que o nosso planeta é uma totalidade viva e um sistema auto-regulatório. O entendimento do corpo humano como uma máquina e da mente como uma entidade à parte está sendo substituída por outro que concebe o cérebro, o sistema imunológico, tecidos orgânicos e mesmo células como sistemas viventes e cognitivos.

Evolução não é mais vista como uma luta competitiva por existência, mas como uma dança cooperativa impulsionada por criatividade e pela constante emergência do novo. E com essa nova ênfase em complexidade, em redes e em padrões de organização, uma nova “ciência de qualidade” está surgindo lentamente.

Os autores também argumentam, corretamente em nossa opinião, que esta nova cosmologia científica é completamente compatível com a dimensão espiritual da libertação. Eles nos lembram que, dentro da tradição cristã deles mesmos, o significado original da palavra espírito – ruha em Aramaico, ou ruach em Hebraico – era o sopro da vida. Este era também o significado original das palavras spiritus, anima, pneuma e de outras antigas palavras para “alma” ou “espírito”. A experiência espiritual, então, é primeiro de tudo a experiência de vida. A percepção central desse tipo de experiência, de acordo com numerosos testemunhos, é um profundo sentimento de unidade com o todo, um sentimento de pertença para com o universo em sua totalidade.

Este sentimento de unidade com o mundo natural é confirmado pela nova concepção da vida da ciência contemporânea. Quando entendemos que as raízes da vida são fundadas em básicos princípios químicos e físicos, que o desenvolvimento de complexidades começou muito antes do aparecimento das primeiras células e que a vida evoluiu durante bilhões de anos através do constante uso dos mesmos padrões e processos, nós percebemos a nossa firme conexão com todo o tecido da vida.

Este entendimento de sermos conectados com toda natureza é especialmente forte em ecologia. Conectividade, relacionamento e interdependência são conceitos fundamentais da ecologia, e conectividade, relacionamento e pertença são essenciais à experiência espiritual. Então, a ecologia parece ser uma ponte ideal entre a ciência e a espiritualidade.

Com toda certeza e razão, Hathaway e Boff defendem uma “ecologia espiritual” essencialmente preocupada com o futuro do planeta Terra e de toda a humanidade.
Eles salientam que há singulares discernimentos e abordagens ecológicas em todas as religiões e eles nos encorajam a ver essa diversidade de ensinamentos como um ponto forte e não como uma ameaça. “Cada um de nós deve verificar novamente nossas próprias tradições espirituais”, os autores sugerem, “procurar discernimentos que nos dirijam à reverência de toda a vida, a uma ética da partilha e de cuidado, a uma visão do sagrado encarnado no cosmo”.

O Tao da Libertação também contém várias sugestões reais de metas, estratégias e políticas para a execução de ações transformativas para que possamos implementar uma sociedade justa e ecologicamente sustentável. Dois tópicos são discutidos em grande detalhe: o bio-regionalismo baseado no conceito de recuperação da conexão com a natureza no nível local; e a Carta da Terra que é “um verdadeiro sonho de liberação para a humanidade” e que tem como princípios primeiro o respeito e o cuidado para com a comunidade da vida.

Nós estamos nos aproximando de uma encruzilhada na história da humanidade e assim os leitores deste livro vão se deparar com uma riqueza de idéias e profundos discernimentos sobre as mudanças necessárias na consciência humana e sobre as transformações radicais que devemos implementar no nosso mundo. Dentre estas idéias, a mais importante e profunda, é talvez, a idéia central do argumento dos autores. Ao invés de se ver a transição para uma sociedade sustentável primeiramente em termos de limites e restrições, Hathaway e Boff eloquentemente propõem uma nova e convincente concepção de sustentabilidade como forma de libertação.
                          Fritjof Capra

22 de Abril de 2009, Berkeley, EUA, Dia Internacional da Mãe Terra.

19 comentários sobre “Fritjof Capra: o Tao da Libertação de M. Hathaway e L. Boff

  1. O livro de Hathaway e Boff deve ser maravilhoso. Aliás, o próprio Capra produziu pelo menos dois livros incríveis: o primeiro, O “Tao da Física”, foi um grande sucesso e vendeu milhares de cópias, mas, ele produziu um outro igualmente fascinante que,estranhamente,não fez tanto sucesso e está bem de acordo com o livro acima comentado, apesar de ter sido publicado já há vários anos. Talvez, por isso, ele tenha se indentificado agora tanto com o livro dos dois outros. O livro chama-se “A Teia da Vida” e, pelo titulo, vocês podem aquilatar quão interessante é. Neste livro, além de nos mostrar que a evolução se deu mais pela cooperação do que pela competição, contrariando antigas teorias darwinistas, no capítulo final ele nos dá uma boa idéia de como as sociedades do futuro deveriam se organizar para alcançar um “modus vivendi” sustentável.

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    • Vale aqui lembrar também o livro O Ponto de Mutação, e Conexões Oucultas – Livros capazes de influenciar novas maneiras de pensar a respeito dos problemas atuais – assuntos pertinentes ao contexto.

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  2. Um livro essencial para os nossos tempos! Só posso comentar mais quando o ler, mas a leitura do prefácio e a explicação do Leonardo sobre o livro já abriram o meu apetite!
    Gratidão!!!
    Marcos Arruda

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  3. Mestre L. B. pelo prefácio tem-se a dimensão e importância da obra. Desde já me coloco na fila para adquirir o livro, tão logo seja publicado no Brasil.

    Abraços

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  4. Senhores,

    Com emoção e prazer li o prefácio. Admiro Fritjof Capra, cujos livros leio desde 1982, assim como acompanho artigos e livros de Leonard Boff, com idéias inovadoras e propostas voltadas para os cuidados com a vida do ser humano.
    Com certeza a ecologia é a ponte entre a ciência e a consciência expandida, o espirito. E completo com a importância da criação de novas formas que informem esta nova consciência ecológica espiritual, colocando a Arte, a ciência da criação de formas, como mensageira destes conhecimentos. Através da arte criaremos formas que informem, através do campo de energia dessas formas, sobre a Beleza, Justiça, Amor e Ética. Assim estaremos emanando, e in-formando, estes novos saberes e diretrizes para a essencial mudança de consciência da humanidade .
    Saudações e amor,
    Eveli Przepiorka

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  5. O texto traz novas esperanças para uma sociedade mais solidária e menos
    indivildualista (capitalista) e que procura preservar e se orintar pelas leis da própria narureza,a Mãe Terra !

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  6. Um comentário a respeito da seguinte frase que está no texto:” nós devemos “concentrar nas coisas que realmente nos dão regozijo, que nos dão prazer – passar tempo com os amigos, fazer caminhadas ao ar livre, escutar música, ou se deliciar com uma simples refeição.” A maioria das coisas que nos dão realmente prazer, eles identificam, custam pouco ou são gratuitas.”
    A mim pessoalmente apenas essas coisas citadas não me satisfazem. Necessito primeiramente de uma convivência íntima e constante com Deus. Só assim posso encontrar prazer em passar o tempo com amigos, ouvir musica ou desfrutar de uma refeição. Concordo com Santo Agostinho, que diz que nossos corações permanecerão inquietos até que repousem em Deus. Talvez muitas pessoas sintam esta insatisfação, embora não tenham consciência da causa.

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  7. Espero poder ler o livro, deve ser muito interessante. Quanto ao prefácio, Fritjof Capra traz algumas luzes de esperança, principalmente quanto destaca as ONGs como importantes atores políticos contemporâneos. Além disso, Capra parece ter a noção exata da dificuldade a ser enfrentada quando diz que “o grande desafio do século XXI é mudar o sistema de valores subjacentes à economia global”. Isso é muito importante, pois não adianta produzir agricultura orgânica e comercializá-la na lógica do mercado. Assim como não adianta atacar o sistema sem a mea culpa de “sermos” o sistema, pois, como diz Capra, é um problema de valores (e que todos nós carregamos)… Sem essa humildade não alcançamos o Tao.

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  8. Autores que merecem minha admiração e respeito; que se preocupam seriamente com a condição humana e as estruturas de poder que se impõe através de paradigmas alienantes; e que se dedicam, com empenho, ao esclarecimento e à libertação, a nivel pessoal e social, no sentido da responsabilidade de cada um quanto ao presente e ao futuro do planeta e de toda a humanidade. Sou grata por cada livro que escrevem.

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  9. Muito obrigado pela partilha! Beber nessa fonte nos energiza para continuar a buscar a Terra Sem Males. Seus ensinamentos nos ajudam a refletir e agir na construção do mundo melhor. Ansioso pela leitura do livro! Paz e Bem!

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  10. […] Leia aqui sua análise completa. Postado em: Espiritualidade, Sustentabilidade Marcado em: Bolinha de Gude, fritjof capra, hathaway, Júlio Resende Duarte, Leonardo Boff, Sustentabilidade. « Como é ter um derrame e iluminação espiritual ao mesmo tempo? A ilusão de uma economia verde – Leonardo Boff » Clique aqui para cancelar a resposta. Nome * Email * Website Comentário […]

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  11. Bom dia Leonardo, concordo plenamente, gostei muito “geocida”, o próprio espaço social oprimi as pessoas ser mais, ter mais, fazer mais, e não conseguem olhar para si próprias mal se vêem nos solhos como podem ser sinceras consigo mesmas? devemos diminuir nossa velocidade e interagirmos com nossa velocidade biologica, estamos vivendo a velocidade “geo cybenética”, estamos além de nossa estrutura vida!!!! temos que repensar!!!!

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  12. Caro LB

    Como sempre, nem sempre algo que posto aqui tem muita relação com o artigo, mas gostaria de deixar registrado o seguinte (que gostaria que você investigasse). Se trata do assalto especulativo que a Petrobrás está sofrendo, foi ser o mais breve possível :
    -FHC não conseguiu entregar a mesma diretamente;
    -a mídia da dita “oposição” continua martelando no caso “Lava Jato”, quem tem dedo de todos os partidos, principalmente do PSDB (embora a mídia omita);
    -Soros, mega-especulador está comprando a rodos ações da mesma (lembre-se que Soros e Naji Nahas levaram a bolsa de valores do Rio à falência);
    -as ações estão despencando, e vemos debaixo de nossos narizes uma tal de ADVFN em conjunto com outra empresa (no mínimo dúbia) Empiricus, em franca especulação.
    O que estamos constatando é que querem derrubar a Petrobrás e com isso os fundos especulativos a arrematarem a preço vil ???
    Tudo isto é manipulação da dita “oposição”, e acho que se deve tomar providências para que isso não ocorra.

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  13. Caro LB

    Com relação à introdução escrita por Frjtjof Kapra a respeito do livro tenho duas críticas a fazer :

    1-o documentário do Sr. Al Gore é superficial demais, ele simplesmente “passa um verniz” na questão, e em alguma oportunidade já te falei;
    2-Obama está se mostrando, queira ou não, o oposto do que se afirma. Na verdade quem manda nos EUA não é o mesmo e sim as mega-corporações, tais como, a indústria de armas, Monsanto e laboratórios que buscam não a solução de doenças ou problemas ligados a elas e sim a cronificação das mesmas.

    Não vejo pois nada de louvavel no artigo, com referência ao que se propõe.

    Em tempo, quanto às ONGs, me desculpe mas as olho com reservas. Para isso basta verificar o que as ONGs fizeram no caso do Haiti (agora engavetado no esquecimento e na miséria).

    Abraços

    Jose Severiano

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    • Jose, sem comentário. Cada um pensa o que quer. De todos os modos fiz um esforço de treze anos de pesquisa e reflexão junto com Mark Hathaway para escrever aquele livro que mereceu a medalha de ouro nos USA em nova ciência e cosmologia. Tente vc tambem fazer avançar a discussão do que apenas criticar.

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