O tempo das utopias mínimas viáveis

Não é verdade que vivemos tempos pós-utópicos. Aceitar esta afirmação é mostrar uma representação reducionista do ser humano. Ele não é apenas um dado que está ai fechado, vivo e consciente, ao lado de outros seres. Ele é também um ser virtual. Esconde dentro de si virtualidades ilimitadas que podem irromper e concretizar-se. Ele é um ser de desejo, portador do princípio esperança (Bloch), permanentemente insatisfeito e sempre buscando novas coisas. No fundo, ele é um projeto infinito, à procura de um obscuro objeto que lhe seja adequado.

É desse transfundo virtual que nascem os sonhos, os pequenos e grandes projetos e as utopias mínimas e máximas. Sem elas o ser humano não veria sentido em sua vida e tudo seria cinzento. Uma sociedade sem uma utopia deixaria de ser sociedade, lhe faltaria um fator de coesão interna, um rumo definido pois afundaria no pântano dos interesses individuais ou corporativos. O que entrou em crise não são as utopias, mas certo tipo de utopia, as utopias maximalistas vindas do passado.

Os últimos séculos foram dominados por utopias maximalistas. A utopia iluminista que universalizaria o império da razão contra todos os tradicionalismos e autoritarismos. A utopia industrialista de transformar as sociedades com produtos tirados da natureza e da invenções técnicas. A utopia capitalista de levar progresso e riqueza para todo mundo. A utopia socialista de gerar sociedades igualitárias e sem classes. As utopias nacionalistas sob a forma do nazifascismo que, a partir de uma nação poderosa, de “raça pura”, redesenharia a humanidade, impondo-se a todo mundo. Atualmente a utopia da saúde total, gestando as condições higiênicas e medicinais que visam a imortalidade biológica ou o prolongamento da vida até a idade das céculas (cerca de 130 anos). A utopia de um único mundo globalizado sob a égide da economia de mercado e da democracia liberal. A utopia de ambientalistas radicais que sonham com uma Terra virgem e o ser humano totalmente integrado nela.

Essas são as utopias máximalistas. Propunham o máximo. Muitas deles foram impostas com violência ou geraram violência contra seus opositores. Temos hoje distância temporal suficiente para nos confirmar que estas utopias maximalistas frustraram o ser humano. Entraram em crise e perderam seu fascínio. Dai falarmos de tempos pós-utópicos. Mas o pós se refere a este tipo de utopia maximalista. Elas deixaram um rastro de decepção e de depressão, especialmente, a utopia da revolução absoluta dos anos 60-70 do século passado como a cultura hippy e seus derivados.

Mas a utopia permanece porque pertence ao ânimo humano. Hoje a busca se orienta pelas utopias minimalistas, aquelas que, no dizer de Paulo Freire, realizam o “possível viável” e fazem a sociedade “menos malvada e tornam menos difícil o amor”. Nota-se por todas as partes a urgência latente de utopias do simples melhoramento do mundo. Tudo o que nos entra pela muitas janelas de informação nos levam a sentir: assim como o mundo está não pode continuar. Mudar e se não der, ao menos melhorar.

Não pode continuar a absurda acumulação de riqueza como jamais houve na história (85 mais ricos possuem rendas correspondentes a 3,57 bilhões de pessoas, como denunciava a ONG Oxfam intermón em janeiro deste ano em Davos). Para esses, o sistema econômico-financeiro não está em crise; ao contrário, oferece chances de acumulação como nunca antes na história devastadora do capitalismo. Há que se pôr um freio à verocidade produtivista que assalta os bens e serviços da natureza em vista da acumulação, produz gases de efeito estufa que alimenta o aquecimento global. Se não for detido, poderá produzir um armagedon ecológico.

As utopias minimalistas, a bem da verdade, são aquelas que vêm sendo implementadas pelo governo atual do PT e seus aliados com base popular: garantir que o povo coma duas ou três vezes ao dia, pois o primeiro dever de um Estado é garantir a vida dos cidadãos; isso não é assistencialismo mas humanitarismo em grau zero. São os projeto “minha casa-minha vida”, “luz para todos”, o aumento significativo do salário mínimo, o “Prouni” que permite o acesso aos estudos superiores a estudantes socialmente menos favorecidos, os “pontos de cultura” e outros projetos populares que não cabe aqui elencar.

Na perspectiva das  grandes maiorias, são verdadeiras utopias mínimas viáveis: receber um salário que atenda as necessidades da família, ter acesso à saúde, mandar os filhos à escola, conseguir um transporte coletivo que não lhe tire tanto tempo de vida, contar com serviços sanitários básicos, dispor de lugares de lazer e de cultura e com uma aposentadoria digna para enfrentar os achaques da velhice.

A consecução destas utopias mínimas  cria a base para utopias mais altas: que tenhamos uma verdadeira democracia participativa de base popular, aspirar que os povos se abracem na fraternidade, que não se guerreiem, se unam todos para preservar este pequeno e belo planeta Terra, sem o qual nenhuma utopia máxima ou mínima pode ser projetada. O primeiro ofício do ser humano é viver livre de necessidades e gozar um pouco do reino da liberdade. E por fim poder dizer: “valeu a pena”.

Leonardo Boff escreveu: Virtudes para um outro mundo possivel, 3 vol. Vozes 2005.

42 comentários sobre “O tempo das utopias mínimas viáveis

  1. A leitura estava ótima até a tentativa de ressaltar virtudes de uma instituição utópica, responsável por tantas outras ações e posturas nada éticas, próprias ou assinadas por suas irresponsáveis coligações.
    Leonardo, admiro e respeito seu trabalho e sua virtude analítica e não fosse esse triste e não utópico “ponto” no texto, eu teria feito coro a sua percepção das utopias.
    Reflita mais um pouco, não se pode ser meio ético. Ou é, ou não é. E este ponto não é!

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    • Alessandara
      Respondo com palavras deo Papa Francisco: se um faminto é ajudado por um muçulmano, judeu,cristão ou ateu,pouco importa: o que conta é que esse pessoa foi libertada da fome. Não podemos ter as mãos tão puras que acabamos por não ter sequer mãos. Os erros não invalidam o que de bom foi feito para os mais necessitados que quase ninguem vê e ajuda.
      lboff

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      • Concordo com você, Leonardo! Infelizmente a visão pouco holística, de grande parte dos animais humanos, permite que extremismos ideológicos estreitem suas análises, sonegando o positivo em função de coisas pensadas como negativas.

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      • Lamentável frase Lboff, “Não podemos ter as mãos tão puras que acabamos por não ter sequer mãos”, talvez fosse ético dizer, podemos nos ver acidentalmente com mãos não tão limpas pelo que preferiríamos ficar sem mãos, como diz o evangelho, melhor será perder um olho e manter a dignidade. Então repito a frase de Alessandara, “não se pode ser meio ético. Ou é, ou não é”. Principalmente quando para isso rompemos até com o que professamos por fé. De fato, carece pela frase, refletir mais um pouco.

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    • Lamentável frase Lboff, “Não podemos ter as mãos tão puras que acabamos por não ter sequer mãos”, talvez fosse ético dizer, podemos nos ver acidentalmente com mãos não tão limpas pelo que preferiríamos ficar sem mãos, como diz o evangelho, melhor será perder um olho e manter a dignidade. Então repito a frase de Alessandara, “não se pode ser meio ético. Ou é, ou não é”. Principalmente quando para isso rompemos até com o que professamos por fé. De fato, carece pela frase, refletir mais um pouco.

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  2. Não fale em PT. Eles, como os demais partidos formam a escória humana desse pais. A Esmola Familia nada mais é que o Coronelismo Institucionalizado. Não é Ético defender qualquer ação de um Partido de Condnados. Isto poe em risco a admiração que lhe devoto. Se é que minha admiração lha vale algo.

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    • Paulo Cesar
      Vá perguntar a qum tinha fome crônica o que significa a bolsa familia? Vc, creio eu, nunca soube o que é fome e viu a completa marginalização a que as elites deixaram o povo durante seculos. Agora vem alguem e faz algo é logo desmoralizado como coronelismo. São categortias do passado que já não tem valor analítico. Desqualificar desta forma apenas mostra falta de compaixão e piedade por quem sofre.
      lboff

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  3. Me parece fato: a maioria dos habitantes do planeta neste século só terão acesso às utopias mínimas viáveis. Mas o que fazer com nossos sonhos maximalistas? É uma enorme tensão interna que podemos observar já em esporádicas explosões: Rio, São Paulo, mundo. Os sonhos, frequentemente de consumo incentivado pela mídia, começam a obscurecer o valor da paz, com a qual já nos acostumamos e portanto não a valorizamos.

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  4. O fato é que o tempo nos parece escorrer pelas mãos ainda inseguras quanto a que caminhos trilhar, quando se bate de frente todos os dias com o poder econômico e as suas articulações a abarcar toda a riqueza da terra já ameaçada. A minha pergunta é como convencer a todos que a humanidade como um todo não terá a chance de prosperidade com este sistema acumulador, concentrador e imediatista.

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    • a essência do capitalismo é a acumulação das riquezas nas mão de poucos. enquanto a maioria da população passa necessidade.quando aparece alguém que pensa nos menos favorecedos é taxado como coronelismo. o que lula fez foi pensar no povo.

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  5. Gostei de ler este texto , pois o mundo estava me mostrando desesperanças. Mas sob a ótica do pequeno , das utopias mínimas nasce uma nova esperança. Só não gostei de envolver o PT no meio deste belo artigo.

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  6. Temos muitos “feitos” utópicos por realizar.Impossível sentido sensciente de homens e mulheres sem capacidade de sonhar, cativar paiixões,, se indignar, se lançar no rumo utópico
    …O processo de transformação social,-polítcio- econômico -ecológico no âmbito singular e universal,,,local e global,,indviidual e grupal.Emergente na concretização de viabilizar”algo que ainda não existe”Fabulosos tempos pós utópicos de contestação da estrutura oficial.O privado e o público pares do cotidiano como possiblidades de rompimentos com as cotidianiedades.Cenas reais de grande visibilidade de cosnciência política do movimento de contestação das ruas ,passeatas brasileiras,,greves, mundiias como base de sustentação de ruptura(uma das)hisórica
    .Considero o pensamento de Paulo Freire altamente viável e de atuallidade no seu projeto de conscientização política na educação polpular.Sem o efetivo trabalho de educação popular,precisamente: de despertar a consciência crítica do “bom senso” situação classita no sentido gramsciano do termo dos setores populares e ecológicos da socidade civil para o regate da utopia.
    .O público inseparável,, mediado,,conjugado pela vida privada.Não acredito ,nem aposto no ser humano que ,na sua vida privada não busca valores da compaixão a todo ser vivo,,não pratica ,o perdão no seu viver, e no compromisso do amor ao outro radicalmente diferente de si,.Amar, ao próximo mais íntimo do seu dia a dia.
    Compaixão,,perdão aos inimigos,,compromisso com a natureza, trios de conjugar éticas singular e universal. não são cojecturas filosoficas da busca do sentido…Efetivamente antropologizar a a utopia no por vir histórico
    Acredito em gerenciar a viabiliza ção da utopia do Psol como grande e radical opção partidária nesse País..Como saudoso Carlos Nelson Coutinho faz falta.Ainda bem que o tempo não para….
    Heloise Riquet Correia- professora de antropologia da UECE

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    • Heloise
      Os erros de dactilografia, pouco importa,concordo com seu conteúdo. Precisamos de utopias sem as quais as pessoas perdem o sentido da vida e as sociedades ficam vitimas de espertalhõs que vendem sonhos sem conteudo.
      abraço
      lboff

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  7. Leonardo, estou completamente de acordo com você; as utopias mínimas que conseguimos ver em nosso País, tornarem-se realidade, mostram que é ainda possível alguma mudança no status quo do Sistema. É por essa razão que esse mesmo status quo está esperneando, esbravejando contra o governo que aí está. Domenico de Massi está convocando intelectuais brasileiros para completar o trabalho iniciado em seu livro mais recente. Ontem assisti, infelizmente, apenas o final de uma entrevista dele; finalizou dizendo mais ou menos o seguinte: quando um estilo de governo mostra possibilidades novas, de gestão, normalmente sofre intensa oposição dos setores tradicionalistas/conservadoras. Creio que é isso que estamos a ver, aqui no Brasil.

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  8. Utopias e utopias,,, todas na sua gênese fazem a coesão entre o divino e o humano, interligando céu a terra… interligando profano ao divino….

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  9. Gostei muito, um artigo esclarecedor que conduz à reflexão sobre as utopias em todas as épocas e o que significam para o ser humano.

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  10. Peço perdão pela minha grandiosa negligência nos erros de digitação no que diz respeito ao meu comentário ainda aguardando moderação..Entro o nada fazer e a omissão política prefiro arriscar a minha persona e exibir meu lado neófito na informática..
    .Meus parabéns ao Filósofo Odécio Mendes Rocha pelo brilhantismo do seu fecundo comentário intitulado,O Resgate da Utopia.publicado no status do meu Facebook.Como o tempo não para tenho grandes esperanças de fazer um curso de digitação..

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  11. O mínimo não é utopia é apenas o mínimo, uma pura e simples obrigação, se nem isto for garantido para que serve governo ?! Só para se locupletar com a corrupção?Tenha a santa paciência!

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  12. É interessante notar que nem a grande mídia, nem a elite concordarão com as utopias minimalistas descritas acima.
    Aliás, chego a julgar que utopia para a elite seria o capitalismo perfeito, cada qual por si e o “sistema” retroalimentando-se de ex-pobres = novos consumidores.
    Só me entristece saber que falta educação de qualidade e consequentemente discernimento à maioria, para que percbam suas utopias e caminhem conjuntamente para algo socialmente maior.

    Texto inspirador!

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  13. Acredito que estamos vivendo o tempo dos delírios; de um tempo que não se sabe pra aonde vai;. Antes, se sabia o que quer dizer utopia, hoje, tudo muito confuso, tudo incerto.
    novos valores sem valores, sem referenciais. As falas são cheias de utopias, são delíriossss. É só olhar a televisão: as propagandas enganosas, os clichês, os chavões,o que dizem as novelas e o aplauso as personagens comprometidas; o big brother. Isso é o mínimo do máximo!!! O total alheamento das falas dos candidatos, sem consistências ou o silêncio frio do poder. Poder? Utopia!! Não invalidando o muito que já fez. Não é isso. Mas…
    O nosso país ainda, não disse a que vem ou a que veio?!!!!
    Os dias estão passando….
    Anda não vislumbro uma mudança no nosso país.
    E tudo acontecendo…
    Não, tudo está muito bem, obrigada!

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  14. Leonardo Boff
    Obrigado Heloise Riquet pelo seu grande aprofundamento e atualidade nas questões sociais. Você tem Mestrado em Sociologia.
    Agora começo dizendo que o Pensamento do filósofo alemão Robert Kurz, em seu último livro em vida “Dinheiro Sem Valor” – Antígona de Portugal , 1912 – deixa-nos atônitos quanto à sua profundidade marxiana em escrever uma Ontologia da Teoria Crítica do Valor. Ele é um renovador do marxismo. Seus ataques ao marxismo ortodoxo,formulou uma ontologia negativa. Pena que morreu (aos 68 anos) tão cedo para arquitetar melhor o marxismo. Retirei dele o máximo possível para escrever em seu site “O Resgate da Utopia”.
    Você sabia que nos países centrais, os governos estão utilizando o dinheiro fictício do Mercado Financeiro internacional, dinheiro sem substância nenhuma, excrescente, na produção real? É por isso que as bolhas financeiras deixaram de explodir desde 2008. Mas tomaram um outro rumo perigosíssimo que é a questão das finanças externas. Sabia que os bancos principalmente o FED dos “States”, está emitindo dinheiro que não tem mais nenhuma correspondência econômica? Não só o Fed, mas quase todos os bancos dos países centrais? Pagam salários e compram com o dinheiro fictício do Mercado de Capitais? Sabia que a Economia global está perto da sua extinção? Estas estratégias de sobrevida do capitalismo está levando o muindo inteiro para uma grande explosão ou implosão? O grande Crash não tardará. Começará com a crise das Finanças Públicas. Este segundo Crash, pós 20008, está incubado. Não sabemos quando tudo isto irá pelos ares, mas virá em breve.
    Por favor, política partidária desgasta qualquer grande intelectual.
    Um abraço
    Odécio Mendes Rocha

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  15. A ‘bravata’ do lulismo: “Temos um projeto político”
    Enviado por Oswaldo Conti-Bosso, sex, 22/02/2013 – 23:33
    http://advivo.com.br/blog/oswaldo-conti-bosso/a-bravata-do-lulismo-%E2%80%9Ctemos-um-projeto-politico%E2%80%9D
    Caros geonautas,

    Do governo Lula ao Governo Dilma, dez anos se passaram, o projeto do lulismo e o termo incorporado no discurso recente: “Temos um projeto político”.

    Principalmente no ano de 2012, ouviu-se, nos debates e apresentações, uma frase quase em forma de coro, de forma uníssono, entre os membros do governo e na academia, “Temos um projeto político”, Mesmo para meus parcos conhecimentos, ficou evidente que, era uma forma ensaiada, uma nova forma de se comunicar, uma espécie de nova linguagem e estratégia do QG do lulismo, nas palavras, repetidas ad eternum, “Temos um projeto político”, foram palavras, por exemplo, de Andre Singer e Fernando Haddad nas respectivas entrevistas para o jornalista Luis Nassif, vamos tentar entender e desvendar essa caixa preta.

    É preciso deixar claro que, a eleição do operário e metalúrgico Lula foi uma mudança de paradigma histórica no Brasil e quiçá na história da democracia do mundo, e também a eleição da Dilma Rousseff, mas até onde o lulismo irá só o tempo dirá. Mas qual é a inteligentsia do lulismo, além da sabiência do Lula?

    Do discurso de Lula no Congresso Nacional (integra aqui), destaco algumas falas, mas convido a todos a ler a integra do discurso. O carro chefe do discurso foi o lançamento do programa “Fome Zero” e a esperança de forjar um pacto social:

    “Mudança”; esta é a palavra chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. […] antes de qualquer outra coisa, convocar o meu povo, justamente para um grande mutirão cívico, para um mutirão nacional contra a fome. […] Por isso, defini entre as prioridade de meu governo um programa de segurança alimentar que leva o nome de “Fome Zero”. Como disse em meu primeiro pronunciamento após a eleição, se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida. […] Por tudo isso, acredito no pacto social.

    É sabido que o programa “Fome zero” não vingou, foi substituído pelo “Bolsa Família”, que não era na origem, um programa base do PT, mas aqui entra a grande sacada, a sensibilidade e a visão política do Lula, que soube ouvir e teve coragem de bancar o programa.

    Esse é na minha modesta opinião o ponto mais importante do governo Lula, disse em 2011 que, se o Lula, ao ser eleito presidente, ao invés de usar sua intuição, passasse a responsabilidade para os intelectuais do PT, para os intelectuais das universidades, ele muito provavelmente, politicamente falando, seria hoje mais um “morto-vivo”, como FHC.

    Pegando carona no artigo, “Lula e a falência da ‘Doutrina Garcia’”, O Globo, 31 de Jan. de 2013, embora seja favorável a integração da América do Sul, ao contrário de Demétrio Magnoli, mas ele relata as bravatas do assessor Luiz Dulce:

    “Lula sabe mais que os “intelectuais progressistas” reunidos em seu instituto para, nas palavras do assessor Luiz Dulci, “definir um plano de trabalho para o desenvolvimento e integração” da América Latina.”

    Ou seja, o que ele relata, coincide com o que falei sobre a intuição do Lula no início do governo, em 2003, mas uma década depois, a intelectualidade brasileira do PT no governo, esta aparentemente, na espera do milagre, do mito. Isso mostra, na verdade, a falta de capacidade e de preparo da intelectual brasileira e do PT, mais uma sinalização do nível de nossa maturidade, elite e intelectuais de adolescentes, da “a elite marginal” estamental, da qual falou Raymundo Faoro, a elite do pensamente do PT, absolutamente lamentável.

    O segundo ponto mais importante do Governo Lula, de dimensão tanto quanto ou até mesmo maior inclusive, foi a implantação das políticas culturais, os pontos de cultura e as culturas digitais do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, que é reconhecido mundialmente pelo fato, inclusive até pelos intelectuais dos EUA. Novamente a intelectualidade do PT e da academia não tem contribuição nesse segundo ponto mais importante, na minha modesta opinião.

    Primeiro temos a intuição do operário nortestino, em segundo, a instuição musical da brasilidade-africana-nordestina.

    O discurso do Lula deixa claro também que não se tinha um projeto político:

    […] O Brasil pode e deve ter um projeto de desenvolvimento que seja ao mesmo tempo nacional e universalista, significa, simplesmente, adquirir confiança em nós mesmos, na capacidade de fixar objetivos de curto, médio e longo prazos e de buscar realizá-los.

    Assim como as palavras finais do discurso:

    […] O que nós estamos vivendo hoje neste momento, meus companheiros e minhas companheiras, meus irmãos e minhas irmãs de todo o Brasil, pode ser resumido em poucas palavras: hoje é o dia do reencontro do Brasil consigo mesmo.

    Essa encontro marcado, é uma realidade que ainda não aconteceu em nossa sociedade, que é um sonho antigo, o nó górdio secular de nossa sociedade, os privilégios e status quo do andar de cima com os sem privilégios, sem status quo, e sem direitos de cidadania do andar de baixo, que está em toda nossa história da literatura regional, desde Euclydes da Cunha, “Os Sertões”, Lima Barreto, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Mário de Andrade, …, ao livro de Fernando Sabino, que sintetiza no título essa busca, esse desejo dos personagens das história anteriores de mais de meio século: “O Encontro Marcado” (1956), que é bom repetir, ainda não aconteceu em nossa sociedade. O enigma da charada, de forma macunaímica, é como se a foto do Brasil estivesse amarrada na boca do sapo, enterrada e cristalizada como um fóssil, desde a colônia.

    Na entrevista com André Singer, o Luis Nassif, pergunto-lhe sobre o projeto político, dizendo, “A impressão que se tinha, era um governo sem projeto”, a resposta do André, de forma cautelosa, foi que se tinha um projeto político sim, assim também afirmou o Prefeito Haddad, inclusive sem ser questionado diretamente. Mas fico aqui perguntando, com meus botões, mas qual projeto petista será essa?

    O projeto que o lulismo cantado em verso e prosa desde 2012, em uníssono, na verdade é o projeto derivado da Tese defendida em 1999, por Darc Antonio da Luz Costa, Professor da Escola Superior de Guerra (ESG), “UM DISCURSO DE ESTRATÉGIA NACIONAL” (anexo), e livro de 2009, “FUNDAMENTOS PARA O ESTUDO DA ESTRATÉGIA NACIONAL”, Ed. Paz e Terra, 568 páginas. Um projeto de essência conservador. Mas é notável perceber que temos um projeto, mas não é fruto do lulismo ou da esquerda cartesiana e medíocre, mas da direita conservadora.

    Conheci o professor Darc Costa em 2010, no debate sobre o pré-sal, IEA-USP, na qual foi onde ouvi pela primeira vez, ele afirmou categoricamente sem entrar em detalhes, mesmo sendo questionado: “nós temos um projeto político”.

    No vídeo de 2011, Blog do Milênio, Globo News, Darc Costa, detalha alguns pontos na entrevista, a certa altura, ele diz:
    (…) “depois de 500 anos, nós somos o ocidente profundo das conquistas ibéricas desde os anos 1500, e legítimos descendentes dos Romanos”.

    Interessante observar que, ele não considera a nossa cultura da descendência africana e nem a nossa cultura da descendência dos povos indígenas, de sabedoria milenares, que apesar dos pesares, ainda estão de algum modo por aqui, bem diferente dos povos antigos da Europa, que foram dizimados por eles, assim como dizimaram também as florestas. Pergunte a tantos brasileiros e latinos que moraram na Europa, para saber se eles, os europeus nos consideram como ocidentais, “no way body”.

    E o que pensa o índio brasileiro sobre a cultura ocidental?
    (…) “Ailton Krenak me contou uma história fantástica do dia em que ele e Davi Kopenawa Yanomami foram até Atenas receber um prêmio da Fundação Onassis pela preservação do meio ambiente. Recepcionados com limusine na porta do avião, banquetes, aquela loucura toda, eles receberam o prêmio e, enfim, foram levados para uma visita à Acrópole junto com o embaixador brasileiro. Quando a visita acabou, o embaixador perguntou para Davi: “Então Davi, o que você acha?” E ele respondeu: “Ah! Agora eu entendi, a casa do avô do garimpeiro é aqui”. “Onde estão as florestas de vocês?”, ele perguntou. “Aqui nunca teve floresta?” E responderam: “sim, há muito tempo, mas depois…”. Eu achei fantástico, porque ele trazia, agora, o antes! É o pré-socrático chegando! Ele diz: “Entendi, vocês são construtores de ruínas!” Numa outra chave, pode-se dizer: “que cretino, não soube ver a beleza da Acrópole”. Mas a relação que ele fazia era entre a ruína da Acrópole e a floresta. Num tipo de pensamento destes, o que interessa é a origem, é o “antes”, então ele vai pra trás. Acho isso muito interessante como situação.”DEMASIADAMENTE PÓS-HUMANO – Entrevista com Laymert Garcia dos Santos- 2005
    Os dois primeiros anos do Governo Dilma, foram muito mais importantes com a quebra de braço dos juros, e a luta para reverter a desindustrilização do país desde os anos 90, na qual nem FHC e nem Lula mexeram uma palha, pois assim como FHC sentou em cima do “Plano Real” e a reeleiçãocomprada, Lula sentou em cima do “Bolsa Família” e da crise do mensalão, no segundo mandato, o início do PAC, mas novamente, também não mexeu uma virgula nos juros do sistema financeiro. É o governo Dilma que está procurando “O grande salto” (Economist, Reportagem Especial sobre emergentes – Carta Capital outubro de 2011).

    Como diz reportagem especial de Carta Capital de 25 Jan. de 2013, “Os novos caminhos do Brasil”, O presidente do Conselho da Infraestrutura da CNI, José de Freitas Mascarenhas, alerta sobre os nossos graves problemas, não só de falta de investimentos, mas de queda no investimento percentualmente este ano.

    Portanto, fica demonstrado, que o propalado “ad eternum” do lulismo do ano de 2012, “Temos um projeto político”, é na verdade uma projeto não do lulismo, mas das forças conservadoras que o lulismo, na ‘bravata’, quer nos fazer crer, que são deles, querem ser autores e atores ao mesmo tempo. A inteligentsia do lulismo é zero à esquerda. Essa foi a pergunta-provocação, que fiz a Paulo Arantes, em 2011: Somos esquerda ou zero à esquerda? Ele virou um dragão chinês. Na verdade a esquerda e o lulismo do PT, caminhando do centro esquerda para o centro, não tem inteligentsia alguma, além do aparatique partidário, as palavras do assessor Luiz Dulce são muito reveladoras.

    Nós temos ilhas de excelência nas unversidades, mas no geral, é uma ilha da fantasia, a distância entre a realidade da sociedade adolescente que somos e a realidade das universidades, é cavalar.

    Eu também sonhei além da realidade desde 2009, ao dizer, “Brasil, dobrar a aposta de JK: Desenvolver um século numa geração”, ou “Brasil, a sociedade afluente dos trópicos?”

    É claro que a perpectiva da econmia nos próximas décadas é vento em popa com o pré-sal, mas mundaças na sociedade patrimonialista e estamental, de privilégios e status quo, só vejo possibilidades com as novas gerações, em minhas análises e raio de visão, será algo para o meio do século e segunda metade do século XXI, fato que certamente não verei.

    Como bem definiu Wanderley Guilherme dos Santos, em março de 2011, o que temos é “Outra Era Vargas”

    Globo News-Darc Costa: http://www.youtube.com/watch?v=gd93p4NwxQo

    Marcelo Escobar-CPFLCultura: http://www.youtube.com/watch?v=9ues04qcyE8

    No livro editado pelo ITAMARATY- FUNAG, “Integracao da América do Sul” (2009), contém artigo de Darc Costa, “Integrar é desenvolver a América do Sul” (pág. 47 a 69), baseado no capítulo 30 do livro:

    Fundamentos para o Estudo da Estratégia Nacional

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  16. Ai, Ai, Leonardo, tenho muitos livros seus, adoro vc, mas PT????? Peloamor, me poupe!!!
    Vc sabe que o bolsa qq coisa foi coisa do governo FHC , aliás foi coisa do Betinho e da Dona Ruth, que não puseram por totalmente em prática pq o PT, então oposição, não permitiu – e Lula dizia que era política de dominação com finalidade eleitoreira (http://www.youtube.com/watch?v=s1MlRxu7uro). Pena! Pena!

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    • Sonia
      não subestime o significado simbolico e espiritual de integrar 36 milhões de pessoas que viviam na foma e na miséria dentro da sociedade. O programa nunca foi do Governo FHC mas algo pessoal da dona Ruth, sem apoio oficial em termos de fundos. Isso eu sei pelos técnicos que não cabe citar que assessoravam a Ruth e lastimavam o fato.
      abraço
      lboff

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  17. É uma honra receber seus textos!Sou sua admiradora incondicional!Só que eu ando inconformada com o que está acontecendocom os nossos jovenzinhos.Lavras e todas as cidades ao redor estão dominadas por traficantes.Está gerando muito sofrimento para as famílias.Conversando com um policial ele me disse que eles não podem fazer nada,porque serão mortose eles tem família.O roubo está generalizado, temos medo de sair a noite.Até quando conviveremos com esta situação?O senhor é uma pessoa muito conceituada e sábia e eu pergunto:O que podemos fazer pelos nossos jovens?Grande abraço e desculpe o desabafo.

    Date: Fri, 9 May 2014 06:00:51 +0000 To: lucia.silva08@hotmail.com

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  18. Quisiera ponerme en contacto con Vd si me lo permite. Tengo dudas, respuestas y preguntas y estoy segura de que Vd. es la persona adecuada a quién dirigirme. ¿sería posible? Molto obrigada. Isabel

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  19. Não podemos – e não devemos ser ingênuos -, a título de não comprometermos as boas iniciativas, como o bolsa família, por exemplo. Mas também não podemos – e também não devemos -, de forma alguma negar a realidade. Aqui no Rio, a título da governabilidade nacional, o PT fez alianças políticas extremamente danosas a sua população. Tais alianças – governos estadual e municipal – não têm e nem nunca tiveram o povo como prioridade. E quem paga por isso? Ora, principalmente os pobres, que em suas comunidades sentem na pele o peso do autoritarismo e do descaso. Logo, o que o PT fez – mesmo que de forma indireta –, e com perdão do trocadilho, foi vestir um santo despindo o outro.

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  20. Prezado Leonardo,
    Sou um jovem a me emancipar para a vida adulta. Queria lhe dizer que boa parte da beleza que enxergo no mundo, deve-se a leitura da sua obra.
    Grande abraço,
    Rafael

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  21. Muito bom ver um mestre falando da existência natural da utopia na vida humana. Somos e seremos eternos caçadores de sonhos, um dos sentidos de nossas vidas. Parabéns pela reflexão, Leonardo Boff.

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