A esquerda depois do PT: prof.Luis Felipe Miguel

Estamos, politicamente, no Brasil num voo cego sem saber por onde a situação atual nos conduz. Em momentos assim valem reflexões que criam luz e nos fazem pensar. Este é o significado do artigo do prof   Luis Felipe Miguel, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, em artigo publicado por Blog da Boitempo, 25-09-2015 que aqui nos permitimos reproduzir. Vale tomar a sério suas ponderações:LbofffEis o artigo.

É possível dizer que é injusta a maneira pela qual o Partido dos Trabalhadores se tornou o emblema de todos os vícios da política brasileira, enquanto seus concorrentes da direita são preservados sistematicamente por uma cobertura de mídia manipulada. É verdade. Caixa dois, loteamento do Estado, relações de compadrio com grandes grupos econômicos, corrupção: o PT não inventou nada disso; pelo contrário, tornou-se participante tardio de uma festa que começara muito antes (e, aliás, para a qual nem fora convidado). Nem por isso, os efeitos do desgaste do PT no eleitorado deixam de ser sentidos. Para a classe média, que se sentiu ameaçada pelo pequeno avanço dos mais pobres nos três mandatos presidenciais petistas, o discurso da indignação moral permite extravasar sua insatisfação, de maneira mais legítima do que se ficasse apenas no registro do simples egoísmo. E a maioria politicamente desmobilizada, com menor acesso a outros canais de informação, tem poucos recursos para resistir ao bombardeio da mídia.

Ao mesmo tempo, os grupos mais politizados à esquerda se sentem cada vez menos contemplados pelo partido que é responsável por um governo que implanta políticas altamente prejudiciais aos interesses dos trabalhadores e que, na busca da permanência no poder, não imagina outro caminho além de uma submissão cada vez mais profunda ao capital. Em nove meses de segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff não foi capaz sequer de fazer um aceno simbólico aos movimentos populares, certamente por imaginar que tal gesto assustaria aqueles que ela tenta desesperadamente agradar. Na visão política de Dilma e seu círculo, os movimentos populares não existem. Todas as equações que fazem para sair da crise incluem os mesmo elementos: os grandes grupos econômicos, as elites políticas tradicionais, as oligarquias partidárias. Por mais que a conta nunca feche, não se cogita agregar um novo fator.

No início deste segundo mandato ainda era possível imaginar que, apesar de todo desgaste, o PT possuía lastro nos movimentos sociais para manter sua relevância como força política. Hoje, está claro que não. Por mais que o golpismo dos defensores do impeachment seja evidente, por mais que ver Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves entronizados no papel de guardiães da moralidade pública cause repulsa, quem quer defender um governo cujo único programa é o aumento do desemprego e a redução do investimento social?

Espremido entre a campanha ascendente da direita, uma mídia cada vez mais abertamente hostil e o seu governo, que age diariamente contra sua base social, o PT caminha para se esfarelar com uma velocidade inimaginável um ano atrás. Movimentos sociais acomodados com a interlocução com o PT estão percebendo que o partido perdeu a capacidade de expressar suas demandas. Mas também muitos deputados, prefeitos e vereadores petistas buscam novas legendas, por vezes até na direita, em geral por simples oportunismo – o que revela, por si só, como o PT se tornou parecido com os partidos tradicionais.

Evidentemente, tudo isso não é efeito apenas do descalabro do segundo governo Dilma. O PT nasceu com um projeto – inacabado, em aberto, contraditório. Apontava para um horizonte de transformação profunda da sociedade, incluindo algum tipo indefinido de socialismo, alguma forma nova de fazer política e também a revalorização da experiência das classes trabalhadoras. A busca de relações radicalmente democráticas, de uma política efetivamente popular, fazia parte da “alma do Sion”, como André Singer definiu o espírito original do partido, fazendo referência à sua fundação no Colégio Sion, em São Paulo, em 1980.

Para pessoas treinadas nas tradições organizativas da esquerda, o PT original possuía uma perigosa indefinição programática, além de ser vítima de um basismo e de um purismo paralisantes. De fato, o partido surgiu num momento em que essas tradições estavam em xeque. Os equívocos do PT foram fruto de sua vontade de não repetir o trajeto dos partidos leninistas ou da social-democracia, que, cada um a seu modo, tenderam a se fossilizar em estruturas hierárquicas e burocráticas. Tratou-se de uma experiência inovadora, inspiradora para a parte da esquerda que tentava se renovar em muitos lugares do mundo.

Tal inovação apresentava custos crescentes, à medida em que o partido crescia. Na famosa lei de ferro das oligarquias, no início do século XX, Robert Michels afirmou que “quem fala organização, fala oligarquização”. Deixando de lado seu determinismo retrógrado, é possível dar crédito ao pensador alemão nos dois eixos centrais de sua reflexão: as camadas dirigentes tendem a desenvolver interesses próprios, diferenciados daqueles da massa de militantes, e a eficiência organizativa trabalha contra a democracia. De fato, é fácil “discutir com as bases” quando se é um ator político pouco relevante. Depois, fica cada vez mais claro que o timing da negociação política prevê a concentração das decisões nas mãos dos líderes.

Como costuma ocorrer em organizações políticas inovadoras, o crescimento levou a tensões crescentes entre percepções mais “realistas”, que julgavam necessário um esforço de adaptação ao mundo da política tal como ele é, e outras mais principistas. A conquista das primeiras prefeituras municipais foi, em muitos casos, dramática. Mas até então o partido lutava para não renunciar à possibilidade do exercício localizado do poder político sem abrir mão dos princípios gerais que orientavam sua organização.

É possível datar com precisão o momento em que o PT iniciou sua caminhada para se transformar naquilo que é hoje: o anúncio do resultado do primeiro turno das eleições de 1989. Quando Lula passa à etapa final da disputa, ao lado de Fernando Collor, parecia se tornar claro que um bom aproveitamento do clima político, aliado a um marketing eleitoral competente, proporcionaria um acesso mais rápido ao poder do que o trabalho de mobilização no qual o partido apostava desde sua fundação. O fato de que o partido hesitou em aceitar, no segundo turno, o apoio de políticos conservadores, mas democratas, é em geral apontado como uma demonstração de seu caráter naïf e de seu despreparo para a política real. É provável. Mas não dá para não respeitar tal purismo, sobretudo à luz do PT posterior, para o qual ninguém, de Maluf a Collor, de Sarney a Jader Barbalho, de Kátia Abreu a Michel Temer, está fora do alcance de uma possível aliança.

Entre a hesitação inicial de 1989 e a política de alianças indiscriminada adotada a partir de 2002 houve uma evolução paulatina, eleição após eleição. Evolução também no discurso, no programa político, na forma de fazer campanha. É razoável dizer que o PT abandonou a ideia de que a campanha eleitoral era um momento de educação política. Quando Duda Mendonça assume, na quarta candidatura presidencial de Lula, já está claro que não se deve mais disputar a agenda, nem os enquadramentos ou valores dominantes. Para ganhar a eleição, é mais fácil mudar o candidato para se encaixar nas expectativas vigentes. Estava surgindo o Lulinha paz e amor, que não é só uma persona do marketing eleitoral, mas a indicação da visão de que seria possível fazer política transcendendo os conflitos.

Só que os conflitos não são transcendidos, são escamoteados. E quando são escamoteados, isso sempre trabalha em favor daqueles que já estão em posição privilegiada. O governo Lula vendeu ao capital sua capacidade de apaziguar os movimentos sociais. Com a elite política, prosseguiu no toma-lá-dá-cá típico brasileiro, agravado pelo fato de que, dada a desconfiança que o PT precisava enfrentar, os termos da troca eram piores. Graças a isso, ganhou a possibilidade de levar a cabo uma política de combate à miséria. Sem negar sua importância, o fato é que foram 12 anos em que o avanço social se mediu exclusivamente pelo acesso ao consumo. A fragilidade de uma política que não enfrentou nenhuma questão estrutural nem desafiou privilégios fica patente pela facilidade com que os supostos avanços da era petista vão sendo desmontados. Voltamos ao momento do desemprego, da redução do poder de compra dos salários, do desinvestimento nos serviços públicos. E, como o ambiente parece propício, de roldão são acrescentados retrocessos ainda maiores: precarização das relações de trabalho, criminalização da juventude, legislação retrógrada no campo da família e da sexualidade.

O momento, em suma, é o da maior derrota das forças progressistas no Brasil após o golpe de 1964. E uma parcela considerável da responsabilidade recai sobre um partido que não soube ou não quis aproveitar as oportunidades de que dispôs para consolidar algum tipo de avanço político e social.

Ao fim do processo, a esquerda brasileira parece órfã. Nos últimos 30 anos, o PT ocupou uma posição de absoluta centralidade neste campo, seja sob a chave da utopia, seja sob a chave do possível. Mesmo os críticos, mesmo os não petistas, encaravam o partido com um pilar incontornável da esquerda. Hoje, é cada vez mais evidente que a única maneira de ler o PT é como um experimento fracassado. Torna-se necessário pensar novas formas de organização e ação, novos instrumentos para fazer política, superando o saldo de desencanto e de desesperança que o final melancólico dos governos petistas deixa.

Sind sie nicht Menschen, unsere Brüder und Schwestern?

Der Grad an Zivilisation und Menschlichkeit einer Gesellschaft misst sich daran, wie sie diejenigen, die anders sind, willkommen heißt und mit ihnen zusammenlebt. An diesem Maßstab gemessen bietet Europa ein erbärmliches Beispiel, das an Barbarei grenzt. Europa zeigt sich so egozentrisch und selbstgefällig, das es ihm extrem schwer fällt, Andere willkommen zu heißen und mit ihnen zusammen zu leben.

Die allgemeine Strategie war und ist noch immer: den Anderen entweder auszuschließen oder zu zerstören. Genau dies geschah während der sich ausdehnenden Kolonialisierung in Afrika, Asien und hauptsächlich in Lateinamerika. Sie zerstörte ganze Nationen wie in Haiti, Mexiko und Peru.

Die wesentliche Beschränkung der westeuropäischen Kultur ist ihre Arroganz, die sich darin zeigt, dass sie sich für die am weitest entwickelte der Welt hält, dass sie glaubt, die beste Regierungsform (Demokratie) zu besitzen, das größte Rechtsbewusstsein, Schöpfer der Philosophie und Technologie zu sein und, als wäre dies noch nicht genug, Träger der einen, wahren Religion: des Christentums. Spuren dieser Arroganz finden sich immer noch in der Präambel der Konstitution der Europäischen Union. Dort heißt es lapidar:

„Der europäische Kontinent ist der Träger der Zivilisation, sein Volk bewohnte ihn seit Beginn der Menschheit in sukzessiven Phasen, und durch die Jahrhunderte entwickelten sie die Werte, die die Grundlage der Menschheit sind: Gleichheit aller Menschen, Freiheit und der Wert der Vernunft…“

Dieser Blickwinkel ist nur teilweise richtig. Er vergisst die häufigen Verstöße gegen diese Rechte, die Katastrophen, die Europa mit totalitären Ideologien verursachte, mit zerstörerischen Kriegen, erbarmungslosem Kolonialismus und wildem Imperialismus, der sich ganze Kulturen in Afrika oder in Lateinamerika unterwarf und zerstörte, ganz im Gegensatz zu den Werten, die es proklamiert. Der dramatische Zustand der heutigen Welt und die großen Zahlen an Flüchtlingen, die aus den Mittelmeerstaaten kommen, sind zum Großteil auf die Art der Globalisierung zurückzuführen, die Europa unterstützt, da es, konkret gesagt, eine Art von später Verwestlichung der Welt konstituiert, weniger die Entwicklung einer wahren globalen Gemeinschaft.

Dies ist der Hintergrund, der uns hilft, die Zweideutigkeit und den Widerstand der meisten europäischen Länder zu verstehen, Flüchtlinge und Immigranten bei sich aufzunehmen, die aus den Ländern Nordafrikas und dem Mittleren Osten kommen, von wo sie den Terror des Krieges fliehen, welcher zum Großteil durch westliche Intervention (NATO) und vor allem durch die imperialistische Politik der Vereinigten Staaten hervorgerufen wurde.

Gemäß den Daten des Flüchtlingshilfswerks der Vereinten Nationen (UNHCR) wurden allein in diesem Jahr 60 Millionen Menschen gezwungen, ihre Heimat zu verlassen. Allein der syrische Konflikt ist verantwortlich für 4 Millionen Vertriebene. Die Länder, die am ehesten bereit sind, diese Opfer bei sich aufzunehmen, sind der Libanon mit über einer Million (1,1 Millionen) Flüchtlingen und die Türkei (1,8 Millionen).

Nun suchen Tausende von Menschen ein bisschen Frieden in Europa. Allein in diesem Jahr überquerten fast 300.000 Migranten und Flüchtlinge das Mittelmeer. Und ihre Anzahl steigt täglich. Sie werden mit Feindseligkeit empfangen. Faschistische und fremdenfeindliche Gesinnung in der Bevölkerung zeugen von großer Gefühllosigkeit, wenn nicht sogar von Mangel an Menschlichkeit. Erst nach der Tragödie von Lampedusa, der südlichen Insel Italiens, wo im April 2014 700 Menschen ertranken, wurde die Operation Mare Nostrum gestartet, die zur Aufgabe hat, nach Schiffen in Seenot zu suchen.

Die Aufnahme der Flüchtlinge wird von Vorfällen, besonders in Spanien und England, begleitet. Als das offenste und gastfreundlichste Land, ungeachtet der Anschläge auf Flüchtlingslager, hat sich Deutschland gezeigt. Die faschisten-freundliche Regierung Ungarns von Viktor Organ hat den Flüchtlingen den Krieg erklärt. Sie traf eine Entscheidung großer Barbarei, indem sie die Errichtung eines vier Meter hohen Stacheldraht-Zauns entlang der gesamten Grenze zu Serbien anordnete, um die Ankunft der Flüchtlinge aus dem Mittleren Osten zu versperren. Die Regierungen der Slowakei und Polens erklärten, sie würden nur christliche Flüchtlinge aufnehmen.

Diese Maßnahmen sind kriminell. Handelt es sich bei den Leidenden denn nicht um Menschen? Sind sie nicht unsere Brüder und Schwestern? Immanuel Kant war mit seinem letzten Buch „Zum ewigen Frieden“ einer der Ersten, die den Vorschlag einer Weltrepublik machten. Er sagte, die wichtigste Tugend dieser Republik wäre die Gastfreundschaft als das Recht aller, und sie muss für alle gelten, denn wir alle sind Kinder dieser Erde.

All dies wird durch die Mitglieder der Europäischen Union schamhaft verleugnet. Die jüdisch-christliche Tradition bekräftigte stets, dass derjenige, der den Fremden bei sich aufnimmt, unwissentlich Gott aufnimmt. Die Worte der Quantenphysikerin Danah Zohar, die sich am treffendsten über spirituelle Intelligenz ausdrückt, passen gut hierher: „In Wahrheit sind wir und die anderen eins, es gibt keine Trennung, wir und der „Fremde“ sind Aspekte des einen und einzigen Lebens“ (Conciencia espiritual, Record 2002, S. 219). Wie verschieden wäre das Geschick der Flüchtlinge, wenn diese Worte leidenschaftlich und voller Mitgefühl gelebt würden.

übersetzt von Bettina Gold-Harnack

 

 

 

 

 

Ecologia hoje: uma aposta pela vida

          Há poucos pensadores no campo da ecologia que tentam ir às raízes da atual crise ecológica global. Um dos mais renomados é seguramente o mexicano Enrique Leff com seu mais recente livro: A aposta pela vida: imaginação sociológica e imaginários sociais nos territórios ambientais do Sul “((a sair pela Vozes). Além de professor e pesquisador, foi por vários anos o Coordenador da Rede de Formação Ambiental para a América Latina e o Caribe no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Acumulou muitas experiências que serviram e servem de base para a sua produção intelectual.

Dá ênfase à preocupação filosófico-social, pois seu interesse é decifrar os mecanismos que nos levaram à atual crise e como poderemos sair bem dela. Portanto, estuda as causas metafísicas (a concepção do ser e da realidade) e epistemológicas (os modos de conhecimento) em suas diversas ontologias (determinaçãoes sociais, políticas, culturais e do mundo da vida, entrte outras).

Procede a um detalhado trabalho de reconstrução da ecologia social e da ecologia política: como surgiram e evoluiram face à crescente crise ecológica, especialmente ao aquecimento global. Essa parte é relevante para quem quiser conhecer os meandros dos discurso ecológico em suas diferentes tendências.

A pergunta que atravessa todo seu texto, denso, rico em referências bibliográficas de várias ciências e tendências, se concentra nesta questão: como estabelecer as condições adequadas à vida num mundo feito insustentável?

A resposta demanda duas tarefas:

A primeira é a demolição dos pressupostos equivocados da modernidade com sua racionalidade tecnico-científica-utilitarista e vontade de dominação de tudo: de territórios, de povos, da natureza e dos processos da vida; realiza esta diligência com uma argumentação cerrada, citando as autoridades filosóficas e científicas mais sérias, sempre salvaguardando o que é irrenunciável mas denunciando como esse tipo exacerbado de racionalidade levou a uma crise civilizatória global com processos insustentáveis e hostis à vida, podendo levar, em seu termo final, a um colapso de nossa civilização.

A segunda consiste na criação de uma nova consciência e o sentido de um destino comum Terra-Natureza-Humanidade. É a parte mais criativa. Auxilia-o a teoria da complexidade e do caos; discute o sentido da sustentabilidade como princípio de vida e de imperativo da sobreviência. Interroga as várias teorias do surgimento da vida e sustenta a tese de F. Capra segundo o qual a vida se originaria do metabolismo entre matéria e energia, gerando redes autogenerativas que liberam os fluxos da vida.

Detalha os diferentes modos de se reconstruir e de se apropriar da natureza, respeitando seus ritmos e ciclos.

Contrariando o paradigma vigente de apropriação privada da natureza e dos fluxos vitais em função do enriquecimento, sabendo apenas modernizar sem ecologizar os saberes, postula vários imaginários alternativos de organizar a Casa Comum, consoante as diferentes culturas nas quas a identidade e a diferença são trabalhdas de forma integradora. Valoriza especialmente a contribuição andina do “bien vivir”. Mais que uma filosofia de vida é uma metáfora de um mundo em harmonia com o Todo. O sumak kawsai (bien vivir) engloba práticas sociais nas quais se expressam as relações dos povos com o cosmos, com seu território, seus ecossitemas, suas culturas e suas relações sociais.

A parte final nos comunica grande esperança: o crescimento a nivel mundial através de incontáveis movimentos e experiências locais que revelam a capacidade das populações de resistir à razão econômica, instrumental e utilitarista vigente. Os países centrais que já exploraram praticamente quase todos os seus serviços e bens naturais tentam recolonizar especialmente a América Latina para que seja uma reserva destes bens para eles. Na nossa visão latino-americana, tais “bondades da natureza” como dizem os povos originários, constituem a base para os direitos da natureza e da Terra tida como a Pachamama, para os direitos culturais e ambientais que concretizam outras formas de habitar a Casa Comum e de se beneficiar de tudo o que ela nos oferece para viver em harmonia.

Aqui se revela uma nova aposta pela vida, que não a ameaça, mas dela cuida, cria-lhe as condições de sua permanência sobre a face da Terra e lhe garante as condições de co-evoluir e constituir-se num bem a ser herdado pelas gerações que virão depois de nós.

Este livro de Leff é um alento para aqueles que uma vez despertaram para a crise ecológica, não se resignam diante das estratéigas de dominação dos poderosos, mas resitem e ensaiam novas formas de convivência, de produção, de consumo e de cuidado e respeito para com todos os seres especialmente pela grande e generosa Mãe Terra.

É um livro necessário que vai na linha exposta com grande força pelo Papa Francisco em sua encíclica sobre “o cuidado da Casa Comum.

Leonardo Boff é colunista do JB on line e escreveu: Ecologia:grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 2002.
 

 

 

Qual destino para o Brasil: recolonização ou projeto próprio?

        Há uma indagação que se faz no Brasil mas também no exterior que se expressa por esta pergunta: qual o destino da sétima economia mundial e qual o futuro de sua incomensurável riqueza de bens naturais?

Analistas dos cenários mundiais do talante de Noam Chomsky ou de Jacques Attali nos advertem: a potência imperial norte-americana segue esse motto, elaborado nos salões dos estrategistas do Pentâgono:”um só mundo e um só império”. Não se toleram países, em qualquer parte do planeta, que possam pôr em xeque seus interesses globais e sua hegemonia universal. Curiosamente, o Papa Francisco em sua encíclicla “sobre o cuidado da Casa Comum”, como que revidando o Pentágono propõe:”um só mundo e um só projeto coletivo”.

No Brasil esse debate se dá principalmente no campo da macroeconomia: o Brasil se alinhará às estratégias político-sociais-economico-ideológicas impostas pelo Império e com isso terá vantagens significativas em todos os campos, mas aceitando ser sócio menor e agregado (opção dos neoliberais e dos conservadores) ou o Brasil procurará um caminho próprio, consciente de suas vantagens ecológicas, do peso de seu mercado interno com uma população de mais de duzentos milhões de pessoas e da criatividade de seu povo. Aprende a resistir às pressões que vêm de cima, a lidar inteligentemente com as tensões, a praticar uma política do ganha-ganha (o que supõe fazer conceções) e assim a manter o caminho aberto para um projeto nacional próprio que contará para o devenir da nossa e da futura civilização (opção do PT, das esquerdas e dos movimentos sociais).

Isso deve ficar claro: há um propósito dos países centrais que dispõem de várias formas de poder, especialmente, a militar (podem matar a todos) de recolonizar toda a América Latina para ser um reserva de bens e serviços naturais (água potável, milhões de hectares férteis, grãos de todo tipo, imensa biodiversidade, grandes florestas úmidas, reservas minerais incomensuráveis etc). Ela deve servir principalmente os países ricos, já que em seus territórios quase se esgotaram tais “bondades da natureza” como dizem os povos originários. E vão precisar delas para manterem seu nível de vida.

Estimamos que dentro de um futuro não muito distante, a economia mundial será de base ecológica. Finalmente não nos alimentamos de computadores e de máquimas, mas de água, de grãos e de tudo o que a vida humana e a comunidade de vida demandam. Daí a importância de manter a América Latina, especialmente, o Brasil no estágio o mais natural possível, não favorecendo a industrializção nem algum valor agregado a suas commodities.

Seu lugar deve ser aquele que foi pensado desde o início da colonização:  o de ser uma grande empresa colonial que sustenta o projeto dos povos opulentos do Norte para continurem sua dominação que vem desde o século XVI quando se iniciaram as grandes navegações de conquista de territórios pelo mundo afora. Analiticamente, esse processo foi denunciado por Caio Prado Jr, por Darcy Ribeiro e, ultimamente, com grande força teórica, por Luiz Gonzaga de Souza Lima com seu livro ainda não devidamente acolhido A refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada (RiMa, São Bernardo 2011).

Em razão desta estratégia global, as políticas ambientais dominantes reduzem o sentido da biodiversidade e da natureza a um valor econômico. A tão propalada “economia verdade” serve a este propósito econômico e menos à preservação e ao resgate de áreas devastadas. Mesmo quando isso ocorre, se destina à macroeconomia de acumulação e não à busca de um outro tipo de relação para com a natureza.

O que cabe constatar é o fato de que o Brasil não está só. As experiências recentes dos movimentos populares socioambientais se recusam a assumir simplesmente a dominação da razão econômica, instrumental e utilitarista que tudo uniformiza. Por todas as partes estão irrompendo outras modalidades de habitar a Casa Comum a partir de identidades culturais diferentes. Os conhecimentos tradicionais, oprimidos e marginalizados pelo pensamento único técnico-científico, estão ganhando força na medida em que mostram que podemos nos relacionar com a natureza e cuidar da Mãe Terra de uma forma mais benevolente e cuidadosa. Exemplo disso é o “bien vivier y convivir” dos andinos, paradigma de um modo de produção de vida em harmonia com o Todo, com os seres humanos entre si e com a natureza circundante.

Aqui funciona a racionalidade cordial e sensível que enriquece e, ao mesmo tempo, impõe limites à voracidade da fria razão instrumenal-analítica que, deixada em seu livre curso, pode pôr em risco nosso projeto civilizatório. Trata-se de uma nova compreensão do mundo e da missão do ser humano dentro dele, como seu guardador e cuidador. Oxalá este seja o caminho a ser trilhado pela humanidade e pelo Brasil.