O Annus nefastus de 2015 não invalida a esperança de um annus propicius

O ano que acaba de 2015 merece esta qualificação latina: annus nefastus. Outros o chamam de annus horribilis. Ocorreram tantas calamidades que além de espanto nos causam preocupações.Nâo obstante tudo isso esperamos pelo irromper do annus propicius.

A primeira delas é o Dia da Sobrecarga ou da Ultrapassagem da Terra (Earth Overshoot Day) ocorrido no dia 13 de setembro. Isto significa: neste dia a Terra revelou que seu estoque de suprimentos para manter sistema-vida o sistema-Terra ultrapassou os limites. Ela perdeu sua biocapacidade. A Terra é o pressuposto de todos os nossos projetos. Como a Terra é um Super-ente vivo, os sinais que nos envia de que não aguenta mais, são as secas, as enchentes, os tufões e o aumento da violência no mundo. Tudo está ligado a tudo, como nos repete insistentemente o Papa Francisco em sua encíclica.

Associado a este fato, é ilusório o consenso alcançado no dia 12 de dezembro com a COP21 em Paris: o aquecimento deveria ficar abaixo de 2º Celsius rumando para 1,5º até o fim do século. Isso implica uma troca de paradigma de civilização não mais baseado em combustíveis fósseis, sabendo que todas as energias alternativas juntas não chegam a 30% do que precisamos. Essa conversão, as grandes  petroleiras e os fornecedores de gás e carvão não têm condições de fazer, nem a querem. A ideia é retórica e a promessa vazia.

O terceiro evento nefasto é a violência terrorista na Europa, na África, os milhares de refugiados e a guerra que as potências militaristas, todas juntas, movem contra o Estado Islâmico e contra outros grupos armados na Síria. Os médio-orientais as interpretam como prolongamento das antigas cruzadas. Fontes seguras nos atestam a vitimação de milhares de civis inocentes.

Outro evento nefasto é a transformação dos EUA, depois dos atentados contra as Torres Gêmeas, num estado terrorista. Com suas 800 bases militares distribuídas no mundo inteiro, intervém, direta ou indiretamente, lá onde percebem seus interesses imperiais ameaçados. Internamente, o “ato patriótico”não foi abolido e representa a suspensão de direitos fundamentais. Não é sem razão que a polícia americana matou em 2015 cerca de mil pessoas desarmadas, 60% das quais eram negros ou latinos.

Outro fato horribilis é a corrupção na Petrobrás em altíssimo nível e em conseqüência o surgimento de uma onda de ódio, de raiva e de decepção especialmente depois das eleições presidenciais de 2014. Não é de se admirar, pois o Brasil é cheio de contrastes, como o viu bem Roger Bastide (Brésil, terre des contrastes, Hachette 1957) mas antes dele Gilberto Freyre que escreveu:”considerado em seu conjunto, a formação brasileira foi um processo de equilíbrio entre antagonismos”.

Esse antagonismo, quase sempre mantido sob o manto ideológico do “homem cordial”, saiu do armário agora e se mostra claramente de modo particular pela mídia social. A expressão “homem cordial” que Sergio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 21. Ed., 1989,p.101-112) tomou emprestado do escritor Ribeiro Couto, é geralmente muito mal compreendida. Não tem nada a ver com a civilidade e polidez. Tem a ver sim com a nossa aversão aos ritos sociais e aos salameleques; somos pela informalidade e a proximidade.

Trata-se de um comportamento brasileiro que se rege antes pelo coração do que pela razão. Ora, do coração nasce a gentileza e a hospitalidade. Mas como bem acentua Buarque de Holanda:”a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade nisto que uma e outra nascem do coração”(nota de rodapé 157 da p. 106-107).

Esse equilíbrio frágil se perdeu em 2015 e irrompeu a cordialidade negativa como ódio, preconceito e raiva contra militantes do PT, contra nordestinos e negros. Nem as figuras constitucionalmente respeitáveis como a Presidenta Dilma Rousseff foi poupada. A internet abriu as portas do inferno da injúria, do palavrão, da ofensa direta das pessoas, umas contra as outras.

Tais expressões apenas revelam nosso atraso educacional, a ausência de cultura democrática, a intolerância e a luta de classes. Não se pode negar que se verificou, em certos setores, raiva contra os pobres e contra os que ascenderam socialmente, graças às politicas sociais compensatórias (mas pouco emancipatórias) do governo do PT. Os antagonismos brasileiros se mostraram claramente, não harmonizados e agora de rédeas soltas, uns contra os outros, em verdadeira luta (chamem de classes, de interesses, de poder, não importa). Mas há uma ruptura social no Brasil que nos custará muito para costurá-la. No meu entendimento, só a partir de uma real democracia participativa que vá além da atual delegatícia e farsesca, pois representa antes os interesses dos grupos beneficiados do que os do povo como um todo.

O que nos vale é a nossa superabundância de esperança que supera o annus nefastus na direção de um annus propicius. Que Deus nos ouça.

Leonardo Boff é articulista do JB on line e escritor

WeiWeihnachten: Jedes Neugeborene ist ein Zeichen, dass Gott noch immer an den Menschen glaubt

 Wir befinden uns in der Weihnachtszeit, doch die Stimmung ist nicht weihnachtlich, sondern entspricht eher einem Karfreitag. Es gibt so viele Krisen, Terrorangriffe, den Krieg, den die kriegerischen und militärischen Mächte (USA, Frankreich, England, Russland und Deutschland) gemeinsam gegen den IS führen, wodurch Syrien fast zerstört wird und Zivilisten und Kinder grausam getötet werden. Wie ihre eigene Presse zugibt, hat die brasilianische Politik die Umwelt durch Bitterkeit und Rachsucht kontaminiert, ganz zu schweigen vom astronomisch hohen Maß an Korruption. All dies lässt die Weihnachtslichter erlöschen und die Weihnachtsbäume in Finsternis versinken, die doch Freude und kindliche Unschuld ausstrahlen sollten, die es noch immer in allen Menschen gibt.

Wer den Kinofilm „Alle Kinder dieser Welt“, bestehend aus sieben verschiedenen Szenen, unter der Regie der bekannten Filmemacher wie Spike Lee, Katia Lund, John Woo u. a., gesehen hat, weiß, wie sehr das Leben der Kinder in vielen Teilen der Welt zerstört ist, die dazu verurteilt sind, von Müll und auf Müllkippen zu leben. Und doch gibt es auch bewegende Momente von Kameradschaft, kleinen Freuden in traurigen Augen und von geteilter Solidarität.

Und nicht zu vergessen, dass es Millionen solcher Kinder in unserer heutigen Welt gibt, und dass das Jesuskind selbst, den biblischen Schriften zufolge, in einem Stall geboren wurde, da es für Maria, die kurz vor der Niederkunft stand, in keiner Herberge Platz gab. Er, der Sohn Gottes, schloss sich dem Geschick aller Kinder an, die durch unseren Mangel an Mitgefühl misshandelt werden.

Jahre später sollte dieser Jesus, nun ein Erwachsener, sagen: „Wer diese meine Brüder und Schwestern bei sich aufnimmt, nimmt mich auf.“ Weihnachten findet statt, wenn eine solche Aufnahme geschieht, so wie die, die Pater Lancelotti in São Paulo für hunderte Straßenkinder unter einem Viadukt organisierte und die jahrelang auf die Präsenz von Präsident Lula zählen konnte.

Inmitten dieser Unheilswelle in der Welt und in Brasilien kommt mir ein Holzbrett in den Sinn, das mir ein Kranker in einem psychiatrischen Krankenhaus schenkte, das ich besuchte, um das Personal zu ermutigen. In das Brett war folgende Inschrift gebrannt: „Jedes Neugeborene ist ein Zeichen, dass Gott noch immer an den Menschen glaubt.“

Kann es einen größeren Beweis für den Glauben und die Hoffnung geben als dies? In manchen afrikanischen Kulturen heißt es, dass Gott vor allem in denjenigen präsent ist, die wir als „verrückt“ bezeichnen. Aus diesem Grund werden sie von jedem aufgenommen und umsorgt, als wären sie ihre Brüder und Schwestern. Auf diese Weise werden sie in der Gesellschaft integriert und leben in Frieden. Unsere Kultur isoliert sie und weigert sich, sie anzuerkennen.

Das diesjährige Weihnachten führt uns zu dieser gekränkten Menschheit und zu all den unsichtbaren Kindern, die ebenso leiden wie das Jesuskind, das gewiss im Winter im ländlichen Bethlehem vor Kälte in der Krippe bibberte. Einer alten Legende zufolge wurde das Jesuskind durch den Atem zweier alter Pferde gewärmt, denen dafür ihre ganze Lebenskraft zurückgegeben wurde.

Es ist gut, sich an die religiöse Bedeutung Weihnachtens zu erinnern: Gott ist weder ein alter bärtiger Mann mit durchdringendem Blick, noch ein strenger Richter, der über all unsere Taten richtet. Gott ist ein Kind. Und als Kind richtet Gott niemanden. Ein Kind möchte nur leben und geliebt werden. Aus der Krippe ertönt es: „Oh, Mensch, habe keine Angst vor Gott! Siehst du denn nicht, dass Seine Mutter Seine Ärmchen eingewickelt hat? Er bedroht niemanden. Noch mehr als zu helfen benötigt er selbst der Hilfe und auf den Armen getragen zu werden.

Keiner verstand besser die menschliche Bedeutung und die Wahrheit des Jesuskindes als Fernando Pessoa:

Er ist das Ewige Kind, der Gott, der uns fehlte. Er ist so menschlich, dass Er natürlich ist. Er ist der Göttliche, der lächelt und spielt. Deshalb weiß ich mit Gewissheit, dass Er das wahre Jesuskind ist. Er ist ein so menschliches Kind, dass Er göttlich ist. Wir beide kommen so gut miteinander aus und mit allen anderen, dass wir einander ohne Worte verstehen.

Wenn ich sterbe, geliebtes Kind, lass mich das Kind sein, das kleinste. Nimm mich in deine Arme und trage mich heim. Entblöße mein müdes und menschliches Wesen. Bringe mich zu Bett, erzähle mir Geschichten, sodass ich wieder einschlafe, falls ich einmal aufwache. Und gib mir deine Träume zum Spielen bis der Tag anbricht, jener, den nur du kennst.

Können wir angesichts solcher Schönheit unsere Gefühle unterdrücken? Dies ist der Grund, weshalb wir trotz all des Elends immer noch Weihnachten feiern können.

Ich schließe mit einer weiteren Botschaft, deren Bedeutung ich mag: „Jedes Kind möchte ein Mann werden. Jeder Mann möchte ein König werden. Jeder König möchte „Gott“ sein. Nur Gott möchte ein Kind sein.

Lasst uns einander umarmen, als umarmten wir das Göttliche Kind, das sich in uns verbirgt und das uns nie verließ. Und möge Weihnachten noch immer ein wirklich fröhliches Fest sein.

Leonardo Boff ist Theologe und Schrifsteller

Übersetzung von Bettina Gold-Hartnack

Nativity: Every Child’s birth is a sign that God still believes in humanity

We are in the time of the Nativity, but the aura is not one of Christmas, but more nearly of Good Friday. There are so many crises: the terrorist attacks, the wars the bellicose and militarist powers (The United States, France, England, Russia and Germany) jointly carry out against the Islamic State, practically destroying Syria, with the dreadful killing of civilians and children. As their own press has shown, the environment is contaminated by bitterness and the spirit of revenge in Brazilian politics, not to mention the astronomic levels of corruption. All this turns out the lights of the Nativity and fills with darkness the holiday trees that should create the environment of joy and childlike innocence that still exists in all humans.

Those who can see the movie All the Invisible Children, in seven different scenes, directed by well known film directors, such as Spike Lee, Katia Lund and John Woo, among others, can understand the destroyed lives children live in many parts of the world, children who are condemned to live off garbage and in garbage dumps. And yet there are moving scenes of comradery, of small joys in those sad eyes; and of solidarity among them.

And to think that there are millions in the world today and that the baby Jesus Himself, according to the Scriptures, was born in a manger, because there was no room for Mary, who was nearing childbirth, in any hostel in Bethlehem. He, the Son of God, joined Himself to the destinys of all the children who are mistreated by our lack of sensitivity.

Later on, that same Jesus, as an adult, would say: “who welcomes these brothers and sisters of mine, the smallest ones, welcomes me”. The Nativity takes place when this welcome is offered, such as the one Father Lancelotti organizes in São Paulo for the hundreds of street children under a viaduct, that for several years counted with the presence of President Inacio Lula da Silva.

Amidst all these disgraces in the world and in Brazil, there comes to mind a piece of wood with a fire engraved inscription, that an intern in a psychiatric hospital in Minas Gerais gave me during a visit I made to encourage the staff. Inscribed in that piece of wood is written: «Whenever a child is born it is sign that God still believes in the human being».

Can there be an act of faith and hope greater than this? In some cultures of Africa it is said that God is especially present in those we call “mad”. For that reason, the insane are adopted by everyone, and everyone cares for them as if they were their brothers or sisters. This way the insane are integrated into society, and live in peace. Our culture isolates the insane, and refuses to recognize them.

This year’s Nativity takes us to this degraded humanity and to all the invisible children whose suffering is like that of baby Jesus, who certainly in the winter of the countryside of Bethlehem shivered in the manger. According to an old legend, baby Jesus was warmed by the breath of two old horses that, as a reward, thereafter regained complete vitality.

It is worth remembering the religious meaning of the Nativity: God is neither an old bearded man with penetrating eyes, nor a stern jurist who judges all our actions. God is a child. And as a child, God judges no one. A child wants only to live and to be loved. From the manger comes this voice: «Oh, human creature, do not be afraid of God! Don’t you see that His mother has swaddled his little arms? He threatens no one. More than help, He needs to be helped and carried in an embrace».

No one understood better than Fernando Pessoa, the great portugiese poet, the human meaning and the truth of the child Jesus:

He is the Eternal Child, the God who was missing. He is so human that He is natural. He is the Divine One who smiles and plays. This is why I know with all certainty that He is the true Child Jesus. He is a child so human that he is divine. The two of us get along so well, in the company of all, that we never think the one of the other… When I die, beloved Child, let me be the child, the smallest one. Take me in your arms and carry me to your home. Strip naked my tired and human being. Put me to bed. Tell me stories if I awaken, that I may go back to sleep. And give me your dreams to play with, until the day dawns, the one you will know”.

Seeing such beauty, can we contain our emotions? For that reason, in spite of all the distress, we still can quietly celebrate the Nativity.

I end with another message whose meaning I like: «Every child wants to be man. Every man wants to be king. Every king wants to be a “god”. Only God wanted to be a child».

Let us embrace one another as if we were embracing the Divine Child that hides within us, and who never abandoned us. And may the Nativity still be a quietly happy holiday.
Leonardo Boff is theologian and writter

Free translation from the Spanish by
Servicios Koinonia, http://www.servicioskoinonia.org.
Done at REFUGIO DEL RIO GRANDE, Texas, EE.UU.

“No somos Dios”: Pablo Solón comenta a encíclica Laudato Si

“No somos Dios”

Pablo Solón é um dos grandes ecologistas latino-americanos, Boliviano, serviu como embaixador de seu país na ONU e participou ativamente nas várias conferências sobre aquecimento global. Por sua reconhecida competência foi por anos diretor executivo da Focus on the Global South com sede em Bangkok. É um dos mais duros críticos da “economia verde” por causa da  concepção que lhe subjaz que no fundo afirma:”Atualmente a relação com a natureza se faz através do mercado. Você tem que comprar.O capitalismo falhou porque não colocou preço à natureza. Você só cuida daquilo que tem preço. Isso quer fazer a economia verde”. A perversidade desse raciocínio é evidente,Tudo tem valor mas nem tudo tem preço, como a vida, as pessoas que não podem ser traficadas etc. Solón se bata  mundialmente por uma mudança de paradigma que organize a produção e o consumo  dentro dos limites da natureza e no respeito a seus direitos. Foi fundamental para o reconhecimento dos direitos na natureza e de chamar oficialmente  a Tera de Mãe Terra, decisões tomadas pela ONU:Lboff

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De todos los mensajes de la encíclica Laudato Si’ este es el que más me impresiona por su agudeza e ironía. ¿A donde hemos llegado para que el Papa se vea obligado a recordarnos en el párrafo 67 que “No somos Dios”?

IMG_0149Una gran mayoría de los seres humanos miramos a la naturaleza como un simple objeto, como un simple recurso que está allí para ser extraído, explotado, consumido y desechado. En cambio la Carta Encíclica sobre el Cuidado de la Casa Común remarca que todos los seres humanos, las plantas, los animales, los cerros y los bosques somos parte de una comunidad de la Tierra. Todos somos indispensables e interdependientes. El rol de los seres humanos no es dominar a la naturaleza sino cuidar, proteger, vigilar, preservar y custodiar esta comunidad de la Tierra. “Esto implica una relación de reciprocidad responsable entre el ser humano y la naturaleza. Cada comunidad puede tomar de la bondad de la tierra lo que necesita para su supervivencia, pero también tiene el deber de protegerla y de garantizar la continuidad de su fertilidad para las generaciones futuras” [67]. Para el Papa Francisco debemos buscar la armonía entre “todas las criaturas de Dios”.

La encíclica Laudato Si’ es la critica mas fuerte al antropocentrismo que se haya escrito hasta ahora en la Iglesia católica. “La Biblia no da lugar a un antropocentrismo despótico que se desentienda de las demás criaturas” [68]. “El antropocentrismo moderno, paradójicamente, ha terminado colocando la razón técnica sobre la realidad… si el ser humano no redescubre su verdadero lugar, se entiende mal a sí mismo y termina contradiciendo su propia realidad [115]. No asumirse como Dios y reconocer nuestro rol en la comunidad de la Tierra es sin duda el punto de partida para salir de este “comportamiento que a veces parece suicida” [55] y que esta provocando la crisis de todo el sistema de la Tierra.

Los todopoderosos y las lógicas del capital y el poder

Pero la encíclica no se queda en una reflexión filosófica de las causas de la crisis sistémica y hace una radiografía de la realidad económica que vivimos: “La salvación de los bancos a toda costa, haciendo pagar el precio a la población, sin la firme decisión de revisar y reformar el entero sistema, reafirma un dominio absoluto de las finanzas que no tiene futuro y que sólo podrá generar nuevas crisis después de una larga, costosa y aparente curación. La crisis financiera de 2007-2008 era la ocasión para el desarrollo de una nueva economía más atenta a los principios éticos y para una nueva regulación de la actividad financiera especulativa y de la riqueza ficticia. Pero no hubo una reacción que llevara a repensar los criterios obsoletos que siguen rigiendo al mundo”[189]. “Hoy algunos sectores económicos ejercen más poder que los mismos Estados” [196]

El Papa Francisco afirma que “Los poderes económicos continúan justificando el actual sistema mundial, donde priman una especulación y una búsqueda de la renta financiera que tienden a ignorar todo contexto y los efectos sobre la dignidad humana y el medio ambiente” [56].

“No somos Dios” no está dirigido a todos los seres humanos por igual, sino en particular a los que se asumen como todopoderosos y controlan las finanza, la tecnología y las armas. Este sector ha endiosado el mercado y cree que los “problemas se resuelven sólo con el crecimiento de los beneficios de las empresas o de los individuos” [190]. No sólo hay quienes actúan como Dios, sino que la lógica del capital y la ganancia han sido divinizadas. La encíclica no sólo cuestiona a los hombres endiosados sino a la lógica del capital. “¿Es realista esperar que quien se obsesiona por el máximo beneficio se detenga a pensar en los efectos ambientales que dejará a las próximas generaciones? Dentro del esquema del rédito no hay lugar para pensar en los ritmos de la naturaleza, en sus tiempos de degradación y de regeneración, y en la complejidad de los ecosistemas, que pueden ser gravemente alterados por la intervención humana. Además, cuando se habla de biodiversidad, a lo sumo se piensa en ella como un depósito de recursos económicos que podría ser explotado, pero no se considera seriamente el valor real de las cosas, su significado para las personas y las culturas, los intereses y necesidades de los pobres” [190].

Laudato Si’ enfatiza en varias partes que “el cuidado de los ecosistemas supone una mirada que vaya más allá de lo inmediato” [36] y sostiene que cuando se busca la ganancia fácil y rápida a nadie le interesa la preservación de la naturaleza. La encíclica aboga por una economía que no esté dominada por el principio de “maximización de la ganancia” [195] que nos impide ver el valor real de las cosas. En otras palabras, para comprender y respetar los ritmos de la naturaleza hay que salir de la lógica del capital que busca inexorablemente la ganancia fácil e inmediata. Continuar con “la obsesión por un estilo de vida consumista, sobre todo cuando sólo unos pocos puedan sostenerlo, sólo podrá provocar violencia y destrucción recíproca” [204].

Pero la lógica de la ganancia fácil y rápida no actúa sola sino que se combina con la lógica del poder y de los políticos. El inmediatismo del capital se articula con el inmediatismo político. “Respondiendo a intereses electorales, los gobiernos no se exponen fácilmente a irritar a la población con medidas que puedan afectar al nivel de consumo o poner en riesgo inversiones extranjeras. La miopía de la construcción de poder detiene la integración de la agenda ambiental con mirada amplia en la agenda pública de los gobiernos” [179]. Los políticos buscan resultados que puedan ser mostrados en su actual período de gobierno y en ese medida posponen acciones urgentes que tienen costos inmediatos y cuyos resultados requieren mucho tiempo para ser viabilizados. “La grandeza política se muestra cuando, en momentos difíciles, se obra por grandes principios y pensando en el bien común a largo plazo. Al poder político le cuesta mucho asumir este deber en un proyecto de nación” [179].

La Encíclica lanza una advertencia muy profunda al respecto: “siempre somos más fecundos cuando nos preocupamos por generar procesos más que por dominar espacios de poder” [178].

En síntesis, “mientras unos se desesperan sólo por el rédito económico y otros se obsesionan sólo por conservar o acrecentar el poder, lo que tenemos son guerras o acuerdos espurios donde lo que menos interesa a las dos partes es preservar el ambiente y cuidar a los más débiles” [198]. Es esta tenaza de la lógica del capital y la lógica del poder, que al ser endiosados como verdades y prácticas absolutas, no permiten enfrentar la crisis social y ambiental en la que se debate la comunidad de la Madre Tierra.

Democratización y redefinición del progreso

La encíclica apuesta por la democratización desde las bases para subvertir la lógica del poder: “Si los ciudadanos no controlan al poder político –nacional, regional y municipal–, tampoco es posible un control de los daños ambientales” [179]. “Un cambio en los estilos de vida podría llegar a ejercer una sana presión sobre los que tienen poder político, económico y social. Es lo que ocurre cuando los movimientos de consumidores logran que dejen de adquirirse ciertos productos y así se vuelven efectivos para modificar el comportamiento de las empresas, forzándolas a considerar el impacto ambiental y los patrones de producción” [206].

La encíclica aboga por un nuevo tipo de economía y política, y postula que “para que surjan nuevos modelos de progreso, necesitamos ‘cambiar el modelo de desarrollo global’” [194]. Este cambio de modelos de progreso es mucho más que el llamado “desarrollo sostenible” ya que el planteamiento de la encíclica es contrario a las medias tintas. “No basta conciliar, en un término medio, el cuidado de la naturaleza con la renta financiera, o la preservación del ambiente con el progreso. En este tema los términos medios son sólo una pequeña demora en el derrumbe. Simplemente se trata de redefinir el progreso” [194].

La idea de progreso que postula Laudato Si’ está capturada de la siguiente manera: “Tenemos que convencernos de que desacelerar un determinado ritmo de producción y de consumo puede dar lugar a otro modo de progreso y desarrollo. Los esfuerzos para un uso sostenible de los recursos naturales no son un gasto inútil, sino una inversión que podrá ofrecer otros beneficios económicos a medio plazo. Si no tenemos estrechez de miras, podemos descubrir que la diversificación de una producción más innovativa y con menor impacto ambiental, puede ser muy rentable. Se trata de abrir camino a oportunidades diferentes, que no implican detener la creatividad humana y su sueño de progreso, sino orientar esa energía con cauces nuevos” [191]. “Nadie pretende volver a la época de las cavernas, pero sí es indispensable aminorar la marcha para mirar la realidad de otra manera, recoger los avances positivos y sostenibles, y a la vez recuperar los valores y los grandes fines arrasados por un desenfreno megalómano” [114].

Aterrizando en lo concreto

La encíclica aterriza en aspectos muy concretos de la crisis que vivimos como son la contaminación y el cambio climático, la cuestión del agua, la perdida de biodiversidad y el deterioro de la calidad de la vida humana y la degradación social. Es de destacar que en algunas de estas cuestiones asume una postura muy clara y valiente como es el caso de la deuda ecológica, los combustibles fósiles y los mercados de carbono.

“Hay una verdadera « deuda ecológica », particularmente entre el Norte y el Sur, relacionada con desequilibrios comerciales con consecuencias en el ámbito ecológico, así como con el uso desproporcionado de los recursos naturales llevado a cabo históricamente por algunos países” [51].

“Se ha vuelto urgente e imperioso el desarrollo de políticas para que en los próximos años la emisión de dióxido de carbono y de otros gases altamente contaminantes sea reducida drásticamente, por ejemplo, reemplazando la utilización de combustibles fósiles y desarrollando fuentes de energía renovable” [26]. Y remarca: “sabemos que la tecnología basada en combustibles fósiles muy contaminantes –sobre todo el carbón, pero aun el petróleo y, en menor medida, el gas– necesita ser reemplazada progresivamente y sin demora”[165].

“La estrategia de compraventa de « bonos de carbono » puede dar lugar a una nueva forma de especulación, y no servir para reducir la emisión global de gases contaminantes. Este sistema parece ser una solución rápida y fácil, con la apariencia de cierto compromiso con el medio ambiente, pero que de ninguna manera implica un cambio radical a la altura de las circunstancias. Más bien puede convertirse en un recurso diversivo que permita sostener el sobreconsumo de algunos países y sectores” [171].

En relación a diferentes tecnologías la encíclica no emite un juicio de valor claro sobre algunas de ellas, pero si alerta contra la concentración del control de unos pocos sobre las mismas. “No podemos ignorar que la energía nuclear, la biotecnología, la informática, el conocimiento de nuestro propio ADN y otras capacidades que hemos adquirido nos dan un tremendo poder. Mejor dicho, dan a quienes tienen el conocimiento, y sobre todo el poder económico para utilizarlo, un dominio impresionante sobre el conjunto de la humanidad y del mundo entero. Nunca la humanidad tuvo tanto poder sobre sí misma y nada garantiza que vaya a utilizarlo bien, sobre todo si se considera el modo como lo está haciendo… ¿En manos de quiénes está y puede llegar a estar tanto poder? Es tremendamente riesgoso que resida en una pequeña parte de la humanidad” [104].

Y sobre los transgénicos afirma: “Es difícil emitir un juicio general sobre el desarrollo de organismos genéticamente modificados (OMG), vegetales o animales, médicos o agropecuarios, ya que pueden ser muy diversos entre sí y requerir distintas consideraciones. Por otra parte, los riesgos no siempre se atribuyen a la técnica misma sino a su aplicación inadecuada o excesiva” [133]. “Si bien no hay comprobación contundente acerca del daño que podrían causar los cereales transgénicos a los seres humanos… En muchos lugares, tras la introducción de estos cultivos, se constata una concentración de tierras productivas en manos de pocos debido a «la progresiva desaparición de pequeños productores que, como consecuencia de la pérdida de las tierras explotadas, se han visto obligados a retirarse de la producción directa»… En varios países se advierte una tendencia al desarrollo de oligopolios en la producción de granos y de otros productos necesarios para su cultivo, y la dependencia se agrava si se piensa en la producción de granos estériles que terminaría obligando a los campesinos a comprarlos a las empresas productoras” [114].

La encíclica en Bolivia

La encíclica del Papa Francisco es un llamado a la acción concreta en la vida real y no sólo en los discursos. En esta medida plantea una serie de líneas de acción que nos invitan a reflexionar sobre su aplicación concreta en Bolivia. Por ejemplo, sobre como salir progresivamente y sin demora de la tecnología basada en combustibles fósiles. En este marco, es una interpelación a varias políticas nacionales que priorizan la búsqueda de más y nuevos campos petrolíferos a expensas de los bosques y los pueblos indígenas, habiendo otras tecnologías que están a nuestro alcance y en las que Bolivia es privilegiada como es la radiación solar.

¿En qué medidas los políticos del oficialismo y la oposición son consecuentes y coherentes con el llamado de Laudato Si’ que ambos desde diferentes puntos de vista ensalzan? ¿Están apostando a una transición a energías renovables que nos lleve a dejar los combustibles fósiles bajo tierra como aboga el Papa Francisco, ó por el contrario son presas de un pragmatismo inmediatista que busca réditos fáciles en la disputa por el poder?

Bolivia está desperdiciando su gran potencial de radiación solar. En regiones como Potosí esta radiación solar llega a 8,5 kwh/m2. Países con menos radiación solar ya tienen proyectos en operación de energía solar mucho más ambiciosos. Sin ir muy lejos, Chile ya tiene en operación proyectos de energía solar por 600 MW, mientras nosotros recién nos aproximamos a los 5 MW en momentos en que los precios de esta tecnología han caído bastante y bajaran aún mucho más. ¿Por qué en vez de invertir miles de millones de dólares en nuevas exploraciones petrolíferas, mega represas hidroeléctricas o proyectos de energía nuclear no se invierten esos recursos en proyectos de generación eléctrica fotovoltaica?

Lo mismo podemos decir en relación a nuestros bosques que son los pulmones de la Madre Tierra. Entre el 2001 y el 2013 se han deforestado irresponsablemente en Bolivia 8,6 millones de hectáreas de bosques, lo que representa el 14% de los bosques que tenía al principio de este siglo. El 2013, según datos oficiales, perdimos 162.000 hectáreas de bosques nativos. Esta deforestación generó 90 millones de toneladas de dióxido de carbono. Una cantidad que es más de dos veces lo que emite la planta de electricidad a carbón más grande de la Unión Europea. Una actitud acorde con los postulados de la encíclica nos debe llevar a reflexionar que la ampliación de la producción agrícola no debe darse a costa de los bosques. En Bolivia existen millones de hectáreas deforestadas que deben ser recuperadas y en los bosques es posible practicar la agro forestería sin desmontar la selva.

El análisis de la encíclica debe aterrizar en las diferentes realidades que vivimos. La adscripción a muchos de sus planteamientos debe traducirse en acciones mas coherentes y con una mirada que articule la justicia ambiental con la justicia social. En este marco disposiciones legales como la ley de Derechos de la Madre Tierra del 21 de diciembre del 2010 deben ser realmente exigibles, con mecanismo claros y agiles para que las comunidades y ciudadanos puedan demandar que se cumplan y sancionen a los infractores de los derechos de la Madre Tierra.

La encíclica del Papa Francisco nos recuerda que no sólo “no somos Dios”, sino que debemos ser coherentes y consecuentes en la practica con lo postulados del cuidado de la Casa Común.

Publicado en la Revista Cuarto Intermedio Nº 111 no dia 26-12-2015