UMA DEMOCRACIA HONESTA SOBREVIVE SEM JUSTA REFLEXÃO? – Dom Moacyr

Dom Moacyr Grecchi é um dos bispos mais respeitáveis do país. Foi por muitos anos bispo de Rio Branco-Acre e depois de Porto Velho em Rondônia.   Insituíu pela selva afora centenas de comunidades eclesiais de base. Ajudou a formar quadros políticos da mais alta qualidade como, entre outros, Jorge Viana, governador duas vezes e também Tião Viana, atual governador re-eleito. Defendeu com risco de vida os direitos dos seringueiros e dos homens da floresta. Inteligente, mesmo na selva vivia lendo os clássicos da teologia e da exegese. Sempre tomou o partido dos mais fracos e com coragem proclamou a verdade não só religiosa, mas também  a verdade ética, social e política. Suas intervenções eram e são escutadas com respeito dado o seu equilíbrio e sensatez. Este seu texto sobre a conjuntura política atual se inscreve neste mesmo espírito. Lboff

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Há um provérbio português interessante, cuja origem se perde nos tempos remotos da tradição lusa. Ele é capaz de retratar, com certa fidelidade, nosso conturbado momento presente: “Em tempo de guerra, mentira como terra”.

Ao não aceitar o resultado final do processo eleitoral do ano de 2014, grupos políticos distintos deixaram de exercer um papel extremamente útil à sociedade, qual seja, o de construir uma oposição política capaz de propor e de fiscalizar o governo eleito, para se entregar a um espírito pequeno e destruidor da saudável organização social de nossa tenra democracia ainda em construção.

Todos somos simples mortais, passíveis de erros, equívocos e de pecados, muitos deles impublicáveis. Isso vale para o campo pessoal, espiritual e social. No frigir dos acontecimentos, a mola propulsora de um maior ou menor avanço de uma nação se pauta na sua capacidade em fortalecer estruturas e marcos jurídicos (pactuados de forma cristã e nos espaços adequados), com vistas à defesa dos reais interesses da sociedade como um todo.

Tendo isso como uma das premissas básicas para tais reflexões, não deixa de ser preocupante a forma como tem ocorrido o processo de informação no país, produzida de modo parcial e centralizada, de classificação. Como ela (a informação) vem sendo utilizada com o objetivo de consolidar interesses políticos e econômicos de castas historicamente abastadas pela riqueza da nação ou a serviço dela. Em um país, de tamanho continental, nove famílias (Abravanel – SBT, Edir Macedo – Record, Cívita – Abril, Frias – Folha, Levy – Gazeta, Marinho – Globo, Mesquita – Estado de SP, Nascimento Brito – Jornal do Brasil, Saad – Band) dominam mais de 70% de todos os veículos de comunicação da sociedade brasileira. Esse é o melhor caminho para o fortalecimento da cidadania?

Os referidos dados corroboram, tristemente, algumas das conclusões do Fórum Mundial de Direitos Humanos, acontecido entre os dias 10 e 13 de dezembro de 2013, em Brasília. Naquela oportunidade, Frank La Rue, relator especial da ONU para a liberdade de expressão, destacou: “a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos é um grave problema a ser enfrentado pelas sociedades modernas”.

Assistimos hoje a um massacre dos grandes veículos de comunicação em prol da derrubada de um governo, com forte vínculo social, pelo fato de as forças conservadoras não aceitarem o distanciamento do poder imposto a eles pelo voto popular. Conforme atestam os juristas com reconhecida credibilidade, não existe fato jurídico capaz de condenar a presidenta eleita. O atual governo está eivado de erros a serem corrigidos (pecados impublicáveis). Não obstante, não é pela quebra da constitucionalidade que se constrói uma democracia mais forte. O nome disso é “golpe”.

Como é possível a sociedade aceitar que uma mulher eleita com 54,3 milhões de votos, sem qualquer denúncia formada, seja afastada do cargo sob o comando de um Presidente de Câmara de moralidade questionadíssima, mediante um colegiado de 130 membros, dos quais 34 respondem a ações criminais e administrativas de diferentes envergaduras no STF?

Os grandes veículos de comunicação não têm se pautado pela verdade e pela transparência. Trabalham em um conluio vergonhoso, com o propósito de alterar a vontade popular consagrada nas urnas em determinado momento. O que os move não é o interesse social, moral ou ético. Estão longe disso. O que os movimenta é justamente a perpetuação da recorrente omissão do Estado frente aos históricos e nefastos processos de corrupção.

As pessoas possuem o direito de serem informadas com isenção, tempestividade, responsabilidade ética e moral, mesmo que isso signifique ser politicamente contrário aos pensamentos do dono do veículo de comunicação.

A reflexão honesta a ser feita de modo individual, objetivando escolhas a partir de seus valores pessoais deve e precisa estar pautada em informações dignas e as mais isentas possíveis. Sem isso, o processo de escolha do cidadão estará contaminado e a democracia ferida de morte.

Independentemente de quaisquer juízos de valores, nos dias de hoje, a qualidade tendenciosa das informações de nossos grandes veículos de comunicação não atende ao interesse do povo simples, honesto, trabalhador e carente de políticas públicas mais includentes.

 

Dom Moacyr Grecchi

Bispo Emérito de Porto Velho. Foi Bispo no Acre e Arcebispo em Porto Velho. Ex Presidente Nacional da CPT e militante dos Direitos Humanos.

 

12 comentários sobre “UMA DEMOCRACIA HONESTA SOBREVIVE SEM JUSTA REFLEXÃO? – Dom Moacyr

  1. Republicou isso em trabalhadoresdaemgeprone comentado:
    Como é possível a sociedade aceitar que uma mulher eleita com 54,3 milhões de votos, sem qualquer denúncia formada, seja afastada do cargo sob o comando de um Presidente de Câmara de moralidade questionadíssima, mediante um colegiado de 130 membros, dos quais 34 respondem a ações criminais e administrativas de diferentes envergaduras no STF (Leornardo Boff)?

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  2. Escreve bem o Bispo, mas não consegue esconder sua tendenciosidade através de contradições básicas, a principal, creditar a ação da oposição como sendo pelo motivo de não aceitar a derrota nas urnas, em contraponto com as obrigações da oposição, uma delas a de FISCALIZAR, o governo eleito. E isso se dá como se não fosse da obrigação da oposição levantar as denúncias de que houve abusos, buscar provas e tomar as atitudes que as leis preveem. O PT está há mais de treze anos no poder e o que fez para minimizar os “efeitos nefastos” da “monopolização” da mídia? Nada. Se aliou a ela nos momentos em que precisava, gastando valores absurdos com propaganda oficial.

    Entendo a posição do Bispo, mas ele tem que fazer uma reflexão, principalmente sobre o uso das campanhas assistencialistas bancadas com recursos dos bancos públicos, ampliadas na época pré-eleitoral, sem lastro econômico, e o resultado dessa manobra no montante de 54,3 milhões de votos. E depois a divulgação dos fatos que estão aparecendo seriam caracterizados como conluio se não fossem fatos, e o conluio seria se a imprensa os ignorasse.

    O juízo de valores do senhor bispo, estudioso, é um atentado à reflexão honesta e isenta. Infelizmente.

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      • Acuso? Eu não penso? Posso pensar errado, mas não deixo de pensar, o que coloco não vejo como acusação, mas como constatação, de um óbvio que faz com que chegue à conclusão de que não adianta refletir sobre bases suspeitas, sobre ideologias ultrapassadas e equivocadas, para prevalecer a utopia que ensejam o país tem que ser desconstruído. Talvez seja isso o que queiram, mas esse processo é muito mais prejudicial e perverso do que lutar para que as coisas se ajeitem mais próximo da justiça.

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  3. Respeitável a trajetória de vida de Dom Moacyr Grecchi, seu trabalho e, seu texto, parabéns!
    Diz o sr. em seu livro Crise Oportunidade de Crescimento: ” Crise: ou mudamos ou morremos-Hoje vivemos uma crise dos fundamentos de nossa convivência pessoal, nacional e mundial. Se olharmos a Terra como um todo, percebemos que quase nada funciona a contento. A Terra está doente, e muito doente. E como somos , enquanto humanos, também Terra (” homem” vem de humus= terra fértil) , nos sentimos todos, de certa forma doentes “.Senão isso, como explicar o comportamento das delações premiadas por exemplo- A pessoa contribui para a Justiça mediante recompensa, mas que empobrecimento do Judiciário em sua busca da verdade!
    Prender o Lula de forma coercitiva desnecessariamente, proporcionando-lhe um estado de pânico e constrangimento que nada mais é do que a prática de tortura! Falar-se em prisão preventiva objetivando que o grande líder se cale ! Que País é este senão doente? Mais outra: entrar a OAB com manifestação pró-impeachment, com tantos juristas ilustres e o faz sem ter sido eleita sua presidência por voto direto! Que País é este ?Terra de ninguém? Um abraço, Isabel

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  4. Toda a comunicação feita através dos meios de comunicação mais tradicionais, tem um viés mercantil, quando não é venda de produtos e a troca de poder, os instrumentos de fazer chegar uma comunicação são capazes de atingir os anseios de poder ter e muito pouco poder ser, o ter é temporal e momento, e nem sempre e real, vem de entusiamos e paixão e acaba ali, o ser vem de um processo, também usa o tempo de mais suave, e sempre de dar uma opção mais real e com o tempo de reflexão, e vem de sentimentos mais sólidos, com princípios que retratam a vida com passado, presente e futuro, e sempre de dar opção de ainda voltar. Os grandes meios de comunicação hoje são crueis e violentos, deixa marcas muitos forte na vida das pessoas, e aliena de forma muito intensa, onde muitos nunca vão conseguir sair deste pensamentos de poder ser um herói de plantão, uma pessoa rica em momentos,.

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  5. Uma mídia todo-poderosa não faz bem ao país, bem como uma mídia censurada em seu conteúdo. Porém, uma mídia descentralizada, ou seja, sem ser possuída por meia dúzia de caciques é mais que urgente no país. Graças a Deus, nosso povo está se libertando pouco a pouco dos venenos que são trazidos pela mídia, embora ainda estejamos muitíssimo longe de uma verdadeira libertação das correntes que a mídia nos impõe.

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  6. Olá, caríssimo Leonardo Boff
    Vamos republicar o texto no JORNALECO, aqui em Araranguá-SC (como já temos feito com alguns textos seus – incluindo aquele em que você explica por que votaria em Dilma, e alguma coisa sobre o Moacyr).
    Que Deus permita que você e Dom Moacyr permaneçam muito tempo entre nós, a nos inspirar com sua espiritualidade, consciência e brasilidade.
    Obrigado!
    Ricardo Grechi

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