Aos juízes do meu país: vocês próprio se acusam: ex-advogado da União

Momentos tormentosos como estes que estamos vivendo, desafiam consciências éticas que vem a público para defender o direito e a democracia contra aqueles que mais deveriam, ex officio, preservá-la. Vale ler o apelo corajoso de um ex-advogado da União. lboff

Carta aos juízes do meu País, por Álvaro Augusto Ribeiro Costa

Por que lhes dirijo humilde e respeitosamente a palavra neste gravíssimo momento em que a preocupação acerca do futuro do País e de suas instituições – especialmente da magistratura – se encontram em gravíssimo risco?

Explico:

Desde os tempos de estudante de Direito, e até alcançar o mais elevado grau da advocacia pública brasileira, conheci e aprendi a admirar e respeitar os juízes e, por meio deles, compartir a veneração da magistratura.

Antes disso, porém, ainda criança, respirei o orgulho de meus familiares ao invocarem como exemplo de magistrado um Juiz Federal de Santos, em São Paulo, Bruno Barbosa Lima, que, enfrentando a ira da ditadura getuliana, proferiu decisão favorável à Pagu – então perseguida e hoje reconhecida pela História do Brasil como heroína e precursora dos direitos das mulheres.

Esse juiz discreto, forte e justo era meu tio-avô. E – diziam naqueles tempos – pagou amargamente o preço de sua integridade com a extinção da Vara em que judicava; por isso, com sua numerosa família e já em idade avançada, teve que recomeçar a vida profissional como advogado no Rio de Janeiro, sendo acolhido no escritório e na casa de um irmão, também advogado, Virgílio Barbosa Lima.

Sob a inspiração desse exemplo e de tantos outros magistrados cuja isenção, equilíbrio e moderação testemunhei ao longo de quase meio século na advocacia, no magistério e no Ministério Público Federal, é que me dirijo agora aos juízes do meu País:

Aos que sabem não existir ninguém acima da lei – muito menos eles mesmos – e ninguém que esteja fora de sua proteção;

Aos que são plenamente conscientes de que nenhum juiz pode usurpar competência de outro ou emitir juízos fora dos processos sob sua responsabilidade;

Aos que não substituem os meios legais de publicação de seus atos de ofício pela divulgação extralegal, parcial, escandalosa e seletiva dos mesmos;

Aos que em seus gabinetes quase anônimos e sufocados pelo invencível acúmulo de processos e de demandas individuais e coletivas, cumprem o seu dificílimo mister com a isenção, a serenidade, a firmeza e a modéstia dos sábios e justos;

Aos que labutam incansavelmente para que tenham curso e cheguem ao fim os processos, sem apressá-los contra uns e retardá-los contra outros;

Aos que consideram sagrados o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa;

Aos que garantem e promovem o respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais dos cidadãos, zelando pela integridade física e moral dos jurisdicionados e de suas famílias;

Aos que praticam a justiça como um verdadeiro sacerdócio;

Aos que abominam a violência e os linchamentos físicos ou midiáticos e para nenhum deles contribuem direta ou indiretamente;

Aos que não distorcem a legalidade para fins alheios à Justiça e com ela incompatíveis;

Aos que não utilizam abusiva, arbitrária e ilegalmente os instrumentos legais que a sociedade lhes confiou;

Aos que não apontam à execração pública quem  precipitada ou preconceituosamente julgam criminosos antes mesmo de identificado eventual fato delituoso e da formação da culpa;

Aos que não admitem acusação ou restrição da liberdade sem um libelo formal e substancialmente válido, apto a propiciar a qualquer acusado o conhecimento preciso da acusação para que possa contraditá-la e exercer amplamente o seu inalienável direito à defesa;

Aos que não fazem da magistratura instrumento de “marketing” politico ou de prosperidade econômica;

Aos que não fazem da toga instrumento de vaidade ou messianismo;

Aos que não se deixam usar como instrumentos de ódios e facciosismos políticos;

Aos que não permitem que se transformem os templos da Justiça em cenários de intermináveis novelas com que se busca em crescente delírio o aumento da audiência e o aplauso das multidões;

Aos que não promovem nem insuflam conflitos e, em vez disso, dirigem todo o seu esforço e estudo no sentido de resolvê-los pelos meios adequados e legais em benefício da paz social;

Aos que não prejulgam nem propagam através da mídia e foros extrajudiciais seus prejulgamentos e preconceitos, usurpando a competência do juiz natural e constrangendo outros julgadores;

Aos que não presumem explícita ou implicitamente que decisões de outros juízes ou instâncias devam ser tão viciadas quanto as próprias ou orientadas na mesma direção;

Aos que não participam de reuniões em que se conspira abertamente contra a Constituição e o Estado Democrático de Direito e se discute a partilha dos proveitos de um golpe antidemocrático em pleno curso;

Aos que não se fazem partícipes essenciais na formulação, execução e acompanhamento de táticas e estratégias visando à destituição de governos e à desestabilização do País;

Aos que não utilizam o cargo para atacar pessoas e entidades que tenham sido, estão sendo ou poderão vir a ser partes em processos sob o alcance de sua jurisdição;

Aos que não orientam partes e grupos em conflito assegurando-lhes antecipadamente o sucesso de investidas judiciais que conduzem e julgam sem arguir a própria suspeição, mesmo sendo ela notória;

Dirijo-me, pois, a todos esses magistrados que, inteiramente dedicados às suas funções e isentos de paixões políticas, não desejam ver o País mergulhado em convulsão social, nem comprometida a credibilidade e o respeito devidos à magistratura.

Àqueles, porém, cujos atos, palavras e condutas extraprocessuais – sobretudo – vêm se revelando tão inconvenientes à boa e serena imagem da Justiça e à validade de suas próprias decisões, fica a ponderação: é necessário preservar os atos que tenham praticado com acerto e justiça e assim devam ser julgados, embora a validade de algumas de suas passadas e futuras decisões já esteja por  eles mesmos irremediavelmente comprometida.

A eles eu não diria – como o imortal Zola – “Eu acuso! “ Não é necessário. Seus próprios atos os acusam flagrantemente.

Embora ninguém seja obrigado a oferecer provas contra si mesmo, eles o fizeram e insistem em fazê-lo de modo reiterado. Suas palavras e condutas, registradas indelevelmente nos autos dos processos e fora deles, além de propagadas pela grande imprensa, constituem um claro, nítido e substancial corpo do delito da suspeição e do desvio de finalidade. O que é notório independe de prova – é o princípio jurídico. Para isso não é necessário sequer invocar a teoria do domínio do fato.

A todo os juízes, porém, que mesmo na serenidade de seu árduo e profícuo labor cotidiano tudo percebem mas nada dizem ou fazem fora dos respectivos autos e instâncias, reitero minha profunda admiração e respeito. Nada mais lhes tenho a dizer. Eles conhecem muito bem a Constituição e as leis que todos juramos defender.

Assim, neles permaneço confiante, como neles necessitam ainda e sempre confiar todas as cidadãs e cidadãos brasileiros.

* Alvaro Augusto Ribeiro Costa

(Advogado, Subprocurador-Geral da República aposentado, ex- Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, ex-Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, ex-Advogado Geral da União)

13 comentários sobre “Aos juízes do meu país: vocês próprio se acusam: ex-advogado da União

  1. Para divulgação:
    Muitos amigos Portugueses tem me perguntado sobre o que está acontecendo no Brasil as noticias são tantas que deixam confusos nossos irmãos patricios…então um grande amigo meu redigiu esse referendo explicativo da situação atual e quem quiser apoie , reproduzindo, enviando a amigos estrangeiros, compartilhando e colhendo as assinaturas de apoio ao combate a corrupção e ao Estado Democratico no Brasil…segue abaixo. Contando com assinaturas, espero o seu gesto de apoio para o respeito da Liberdade e Democracia Brasileira segue abaixo :

    Carta Aberta aos defensores da Democracia em todo o Mundo

    Nós brasileiros e irmanados pelo mesmo ideal de Democracia e respeito ao Direito fazemos um relato e a nossa súplica:
    Como é do conhecimento de tantos, o Brasil tem buscado se situar no mundo como um país soberano, independente, próspero, devotado a Democracia, solidário com a libertação e desenvolvimento dos países irmãos.
    Já superamos duas terríveis e desoladoras ditaturas, e não queremos que exista um retrocesso político com suas consequências.
    Desde Junho de 2013, antevendo a eleição para a Presidência da República em 2014, e a possibilidade da presidente Dilma Rousseff se reeleger, foram às ruas determinados setores da sociedade brasileira para instabilizar o governo e criar uma situação favorável ao seu candidato, Aécio Neves do PSDB.
    Aécio Neves foi derrotado nas urnas e a presidente Dilma Rousseff foi reeleita. Inconformados, os perdedores, continuaram a desestabilizar o governo com o apoio de setores expressivos do empresariado, dos especuladores financeiros e imobiliários, da chamada classe média brasileira.
    Não satisfeitos em criarem a atual crise política-econômica brasileira, buscam de todas as maneiras o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a condenação criminal do ex-presidente Luiz Inácio LULA da Silva.
    Aliaram para a prática do golpe político no Brasil, o PMDB, que tem como seu representante Michel Temer, atual vice-presidente do Brasil, e o PSDB, que tem Aécio Neves como seu representante. Também estão no apoio ao golpe por interesses partidários e interesses escusos das mais variadas matizes, membros do Supremo Tribunal Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Rede Globo.
    Contra o golpe político em trâmite já se posicionou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, incontáveis advogados e juristas, vários setores organizados da sociedade brasileira, militantes, sindicatos, movimentos sociais de expressiva mobilização.
    O apoio internacional contra o atual golpe político no Brasil é de suma importância. Com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, não serão punidos os verdadeiros responsáveis pela corrupção no Brasil. Haverá, antes, uma alternância no poder em homenagem indevida ao desrespeito as decisões democráticas vindas das urnas.
    A Ordem Jurídica Brasileira encontra-se violada. O Estado Democrático e de Direito encontra-se vilipendiado, ultrajado, ameaçado. No entanto, ainda não existe a ingovernabilidade desejada pelos golpistas. Mas, tudo indica que teremos um verdadeiro caos social, se lograrem êxito aplicando o golpe, ou seja, tirando do cargo a presidente Dilma Rousseff e impedindo que o ex-presidente Lula concorra às eleições para a presidência em 2018.
    O apoio do governo e do povo que defende a Liberdade e a democracia contra o atual golpe político no Brasil evitará retrocesso histórico em todos os sentidos e um verdadeiro fratricídio.
    Pela união, emancipação e independência dos povos, pela manutenção do Estado Democrático e de Direito, pela justiça social, pela paz e progresso das nações, pelo bem do Brasil e do seu povo, pedimos o vosso apoio como povo irmão contra o golpe político em trâmite no Brasil.

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    • Peça para seus amigos portugueses darem um pulo no Brasil para conversar com os desempregados e empresários que estão com suas lojas, escritórios e fabricas fechando.
      Peçam para pedir um empréstimo em banco no Brasil com juros de 10% ao mês. Eu participei das passeatas de 2013 até 2016. Nunca deixei de amar meu Brasil. Todos que eu conheço e participaram das passeatas querem um Brasil sem corrupção! Estamos cansados das roubalheiras do PT e dos demais políticos desonestos. Essa é a grande verdade que os amigos portugueses tem que ter conhecimento.

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  2. Texto de alta relevancia. pelo local onde esta inserido tem por escopo atingir o juiz MOro. Se isto e verdadeiro pode-se compara-lo com o exemplo citado de seu familiar. hoje quase impossivel este acontecimento. Se nao adotasse a postura q adotou certamente estariamos idolatrando um falso lider q ao se ver comprimido ataca o companheiros de luta. Ataca as instituicoes das quais saiu da pobreza extrema para atngir alto grau de riqueza q insiste em manter em nome de terceiros. Nada do aue acontece ao seu redor lhe pertence. Simente as benesses. E este “lider” que subrepticiamente tentam manter.

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  3. Confesso que comecei a ler um pouco assustado ao texto, mas depois me acalmei e percebi que o Brasil passa por um momento de grandes e necessárias transformações que seriam impraticáveis se não houvesse boa parte de suas instituições firmes e cientes das suas obrigações e com conhecimento e experiência suficientes para tocar para a frente processos tão complexos como os que se apresentam, principalmente a operação denominada Lava a Jato, e por tudo o que li fico tranquilo ao saber que temos uma Justiça que preza tudo o que foi elencado, e ainda mais, pois, sem quebrar nenhum dos pressupostos lidera o processo de maneira a não deixar de enfrentar poderes que querem miná-lo, minimizá-lo e levá-lo para o arquivamento e esquecimento.
    Que bom poder confiar que pelo menos a Justiça Federal é confiável o suficiente para que as investigações e os fatos já comprovados e ainda em andamento, não sofra solução de continuidade, e tudo acabe em pizza.

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  4. Que Deus neste momento possa nos iluminar para nossos corações e liberdade uma atitude capaz da sensatez e benevolência.

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  5. Quem não deve , não teme e muito menos se deverá assustar com uma republiqueta do Sul. E muito menos deve se esconder embaixo das saias de uma Presidenta, fica feio pra formação machista brasileira. Mas, o Culto Procurador demarca bem as cautelas que são comezinhas no exercício do direito com escopo de Justiça. Nos ensina com sua rigorosa formação e tradição familiar famosa e respeitável, com exemplos inquestionáveis e admiráveis. Não devemos, na lição do culto Jurista, acusarmos sem a concreta acusação e o amplo e Constitucional Direito de Defesa, o que seria uma Injustiça, por mais que os indícios sejam fortes e consistentes. São contextos do Estado Democrático de Direito. Então, está havendo linchamento do acusado da hora, por mais condenado que afinal venha a ser. Ou caberia a Justiça do Sivuca: Justiçamento, pois se não adotamos a pena de morte, em face da nossa formação cristã, jamais poderemos dizer que é bom matar o bandido. Salta sempre na minha memória a figura de um dos mais humanistas Magistrados sobre o tema, em entrevista televisiva. Refiro-me ao Juiz Alírio Cavaliere Filho, titulas por décadas da Vara de Infância e Juventude da Cidade do Rio de Janeiro. Respondeu ao repórter, no auge de “bandido bom é bandido morto”. Perguntou-lhe o entrevistador da Televisão: O Senhor é a Favor da Pena de Morte ? Respondendo de imediato, disse – Se houvesse pena de morte no Brasil, dia seguinte estaria devolvendo a minha toga de Juiz.
    Porquê não se lembra de Ruy Barbosa, mas não se esquece de um Juiz ?
    Porquê se fala em corrupção e lhe atribuem a causa da crise brasileira, mas não contextualizam o Brasil dentro da crise Capitalista Internacional?
    Porquê dizem que houve má gestão da Petrobrás, mas jamais debatem porquê 48% das empresas do setor petrolíferos Norte Americano estão em fase pré-falimentar ?
    Porquê não mencionam o “dumping” internacional do Petróleo derruba o preço do Barril de Petróleo de 160 USD, para 27 USD e ninguém faz acusação do crime de “dumping” ? Pois é, dou um doce a quem responder às questões supra e manter-se, ainda, com projeto de Impeachment. Agora processos penais que ao final podem condenar o absolver, apenas exercício da Justiça. Nada mais para esta espetaculização GOLPISTA !
    “Data venia”.

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  6. Doutor Álvaro Augusto Ribeiro Costa: me permita dizer-lhe que esses Juízes que o Senhor tão brilhantemente mencionou, não existem mais. Existem, agora, Juízes cujo lema maior e orientador é “farinha pouca, meu pirão primeiro” e “lancem os holofotes sobre mim e verão do que eu sou capaz”. Sinto muito, Doutor Álvaro! Eu também acreditava!

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