Brumadinho é Velho Chico: Roberto Malvezzi

Roberto Malvezzi (Gogó) já compareceu várias vezes nesse blog. Vive no semi-árido nordestino. É um dos que melhor conhece a questão das águas da região e também do Brasil. Ajudou a formular as tecnologias sociais de como conviver com a seca e como tirar sustento nessa situação. Reproduzimos este artigo dele pois nos esclarece a ligação entre  o desastre criminoso de Brumadinho com  rio São Francisco,o Velho Chico. Lboff

********************************

Brumadinho pertence à vasta bacia hidrográfica do São Francisco (Uma das 12 Regiões Hidrográficas do Brasil, segundo a ANA), desaguando no Paraopeba, que deságua dentro da barragem de Três Marias, a primeira de uma cascata de barragens ao longo do Rio São Francisco.

O Brasil criou uma legislação da água com a Lei 9.433/97, tendo como base de planejamento as bacias hidrográficas. A mesma lei criou uma política nacional de recursos hídricos, tendo os comitês de bacia na base e no topo o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Depois FHC criou a Agência Nacional de Águas (ANA) como um corpo estranho à lei, mas era a construção das Agências Reguladoras no Brasil, para oferecer segurança jurídica ao capital.

O Comitê da Bacia do São Francisco foi um dos primeiros a ser criado. Ele tem a obrigação legal de criar o Plano de Bacia, que tem composição tripartite, isto é, poder público, sociedade civil e usuários. Aí no meio dos usuários estão as mineradoras, as indústrias, o agronegócio e as geradoras de energia. O capital impõe seus interesses, apesar da boa vontade de tantos que participam dos comitês de bacia ao longo do Brasil.
Em poucos dias as águas vermelhas de Brumadinho chegarão à barragem de Três Marias, mesmo que fiquem contidas por algum tempo nas barragens intermediárias. Com as chuvas, é questão de tempo.

Virão juntos todos os contaminantes de metais pesados – cobre, manganês, zinco, cromo, cobalto, níquel, chumbo – que se espalharão pela calha do Velho Chico, por cerca de dois mil km, passando aqui entre Juazeiro e Petrolina, até chegar ao mar entre Sergipe e Alagoas. São 15 milhões de pessoas, espalhadas por inúmeros municípios, ao longo de cinco estados. Agora temos que somar os paraibanos da região de Campina Grande que também bebem dessa água.

Bolsonaro não inaugurou o menosprezo pela natureza aqui no Brasil. Apenas se propõe a consolidar e aprofundar esse desprezo, já que é assim mesmo que o capital trata o meio ambiente. Há coerência de sua parte. Porém, a eliminação da Amazônia, do Cerrado vai aos poucos eliminando nossa malha hidrográfica antes abundante e que nos colocava no privilégio mundial de deter 13% das águas doces do planeta. Entretanto, as mineradoras e outras poluidoras nos oferecem a dádiva de acabar com a qualidade das nossas águas.
Sinceramente, grande parte das esquerdas jamais entendeu e respeitou nossa luta pelo meio ambiente, nunca entendeu que as desgraças são socioambientais e também nos acham como empecilhos do progresso e do desenvolvimento. Há conflitos entre o meio ambiente e os interesses econômicos que são insuperáveis, ou seja, ou um ou outro, jamais os dois ao mesmo tempo. É o caso da devastação da Amazônia e do Cerrado pelo agronegócio, ou dos “dejeitos” das mineradoras.

Termino esse texto com a frase no zap de uma pessoa da família que mora perto de uma usina de cana: “Bom dia, hoje amanhecemos tomando um banho de veneno do avião pulverizador da usina”.

De Brumadinhos e banhos de veneno será o governo Bolsonaro, mas não só o dele.

O que sobra depois de não sobrar nada?

Muitos em nosso país vivemos uma situação de luto. O luto se impõe quando sofremos perdas: os muitos mortos e centenas de desaparecidos do rompimento da barragem da Vale que destruiu criminosamente a cidade de Brumadinho. A perda da pessoa amada, do emprego que garantia a família, a emigração forçada por causa de ameaças de morte. Maior é o luto quando atinge bens fundamentais de um país: a perda da democracia, dos direitos trabalhistas garantidos há muitos anos, a diminuição das aposentadorias dos idosos, os cortes das políticas públicas para pobres e miseráveis, a privatização dos commons, bens fundamentais para a soberania do país. Mas o grande luto é termos que aceitar um presidente que reforçou a cultura do ódio, de seu desconhecimento das questões nacionais, que nos envergonhou em Davos, onde os donos do dinheiro no mundo se reunem para garantir seus interesses. Seu discurso que poderia ser de 45 minutos, durou escassos seis, pois era tudo do pouco que tinha a dizer. Desmarcou as entrevistas para ocultar sua ignorância e as acusações graves que pesam sobre um membro de sua família.

Representa grande desafio para todos trabalhar as perdas e alimentar a resiliência que significa, saber dar a volta por cima e aprender da situação de luto.
Vários são os passos a serem dados nesse percurso.

O primeiro passo é a indignação que se expresa na surpresa: é criminoso o rompimento da barragem da Vale. O país merecia um tal governo? Descobrimos que a vida comporta tragédias que fazem sofrer especialmente os pobres. E não raro nos culpamos por não as termos cuidado nem percebido antes.

O segundo passo é a recusa sofrida: como foi possível chegarmos a este ponto com a Vale? De eleger um presidente com pouquíssimas luzes e com algumas características próprias do fascismo? Onde nós erramos? Inicialmente tendemos recusar o fato. Mas ele está ai, rude e tosco.

O terceiro passo é a depressão psicológica associada à recessão econômica. Atingmos o fundo do poço. A economia é para o mercado que lucra com a crise enquanto joga milhões na pobreza. Somos tomados por um vazio existencial e desinteresse das coisas da vida. Quem consolará os familiares dos vitimados de Brumadinho? Quem lhes reforçará a esperança de que as promessas de reconstrução vão ser cumpridas?

O quarto passo é o autofortalecimento. Operamos uma espécie de negociação com a frustração e a depressão. Essas coisas sinistras pertecem à vida com suas contradições. Não podemos afundar nem perder nossos projetos e sonhos. Precisamos reerguer as casas de Brumadinho. A Vale, empresa privada que pensa mais nos lucros que nas pessoas, tem que tirar duras lições para evitar novos crimes ambientais. O luto deve gerar pressões por parte do povo e novas iniciativas. Podemos sair mais fortalecidos do luto.

O quinto passo é a aceitação dolorosa do fato incontornável. O luto deve passar da frente dos olhos para trás da cabeça, apesar das imagens inapagáveis do crime. Ninguém sai do luto como entrou. Amadurece à duras penas e experimenta que, no caso do novo governo brasileiro de direita, nem toda perda é total: ela traz sempre um ganho social e político.

Todo luto configura uma travessia paciente. Parece que nossas estrelas-guia se apagaram. Mas o céu continua a iluminar nossas noites escuras. As nuvens podem encobrir o Cristo Redentor do Corcovado, mas ele continua lá. Mesmo sem vê-lo, cremos em sua presença. Bolzonaro também passará. O Cristo, não. Enxugará as lágrimas dos familiares que sofrem.

Com referência ao nossa situação política, há que se reconhecer que nossa árvore foi mutilada: cortaram a copa, arrancaram as folhas, destruíram as flores e os frutos, cerraram seu tronco e arrancaram as raízes. O que sobrou depois de não sobrar nada? Sobrou o essencial que o luto induzido não consegue destruir: sobrou a semente. Nela, em potencial, estão as raízes, o tronco, as folhas, as flores, os frutos e a copa viçosa.
Tudo pode recomeçar. Recomeçaremos, mais seguros porque mais experimentados, mais experimentados porque mais sofridos, mais sofridos porque mais dispostos para um novo sonho. O luto passará. Será tempo de refazimento de um Brasil mais cordial, solidário, justo e hospitaleiro.

Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escreveu: Brasil:concluir a refundação ou prolongar a dependência? Vozes 2018.

 

La discriminación de los afrodescendientes continúa

Una consecuencia de la campaña electoral de 2018, antidemocrática y marcada por un sinnúmero de fake news (falsas noticias), fue el fortalecimiento del racismo ya existente contra indígenas, quilombolas y particularmente contra negros y negras. Según el último censo, el 55,4% se declararon pardos o negros. Es decir, después de Kenia somos la mayor nación negra del mundo. La mayoría tiene en su sangre la herencia africana. Además, todos, blancos, negros, amarillos y otros, somos africanos, pues fue en África donde irrumpió el proceso de la antropogénesis hace millones de años.

Como nuestra historia ha sido escrita por manos blancas, muchos historiadores intentaron suavizar la esclavitud. El hecho es que la esclavitud deshumanizó a todos, señores y esclavos. Ambos vivieron la esclavitud en un permanente síndrome de miedo, de revueltas, de envenenamientos, de asesinatos de patrones, de hijos, de asaltos a sus mujeres. Los señores, para contener a los negros y aplicar la violencia contra ellos, tuvieron que reprimir su sentido de humanidad y de compasión. Por eso, las clases dominantes, herederas del orden esclavista, viven hasta hoy llenas de prejuicios de que los negros, los mulatos deben ser tratados con violencia y dureza. Son considerados perezosos cuando, en realidad, ellos fueron los que construyeron nuestras iglesias y edificios coloniales.

Los esclavos eran casi siempre mucho más numerosos que los blancos. En Salvador y en la capitanía de Sergipe, hacia 1824 eran 666 mil esclavos y 192 mil blancos libres (Clovis Moura, Sociología del negro, 1988, p. 232). En 1818, el 50,6% de la población brasilera era de negros esclavos (Beozzo, Iglesia y esclavitud, 1980, p. 259). Y actualmente como acabamos de mencionar son el 55,4% de la población.

La esclavitud deshumanizó mucho más a los negros. Darcy Ribeiro, en su extraordinario libro El pueblo brasilero (1995) resume bien la condición esclava:

Sin amor de nadie, sin familia, sin sexo que no fuese la masturbación, sin ninguna identificación posible con nadie –su capataz podía ser un negro, sus compañeros de infortunio, un enemigo–, malvestido y sucio, feo y apestoso, llagado y enfermo, sin ningún gozo u orgullo del cuerpo, vivía su rutina. Esta era sufrir todos los días el castigo de los latigazos sueltos, para trabajar atento y tenso. Semanalmente venía un castigo preventivo, pedagógico, para no pensar en la fuga, y, cuando llamaba la atención, recaía sobre él un castigo ejemplar, en forma de mutilación de dedos, perforación de los senos, quemaduras con tizón, todos los dientes rotos concienzudamente, o de azotes en la picota, trescientos latigazos de una vez para matar, o cincuenta latigazos diarios para sobrevivir. Si huía y era capturado, podía ser marcado con hierro, o quemado vivo en días de agonía en la boca del horno, o arrojado de una vez dentro de él para arder como leña oleosa (p. 119-120).

A causa de este tipo de violencia, los esclavos internalizaron dentro de sí al opresor. Para sobrevivir, tuvieron que asumir la religión, las costumbres y la lengua de sus opresores. Desarrollaron la estrategia del “jeitinho” para nunca decir no y al mismo tiempo poder alcanzar un objetivo que de otra forma jamás alcanzarían.

Pero hace ya mucho tiempo surgió una fuerte conciencia de la negritud con la determinación de rescatar su identidad, su religión y su forma de estar en el mundo. Se trata de establecer el sujeto de la liberación, las negras y los negros, contra su inserción forzada en la inicua historia de la barbarie blanca.

La historia contada por la mano negra no es sólo una historia contra el blanco; es una historia propia, que no se confunde con la historia de los opresores y esclavócratas, aunque está ligada dialécticamente a ella. Y está haciendo su curso libremente.

La abolición de los esclavos en 1888 no significó la abolición de la mentalidad esclavócrata, presente en la cultura dominante, que sigue manteniendo a centenares de trabajadores con una relación análoga a la de los esclavos. En enero de 2019 había 204 empresarios cometiendo ese crimen. Basta leer la reciente obra distribuida en 2019 “Estudios sobre las formas contemporáneas de trabajo esclavo”(Maud) en la que colaboraron cuarenta y cuatro investigadores, cubriendo gran parte del área nacional, organizada, junto con otros, por el conocido especialista, Ricardo Rezende Figueira. La impresión final es estremecedora.
¿Cómo puede existir todavía hoy la pérfida inhumanidad de seres humanos esclavizando a otros seres humanos?

*Leonardo Boff es investigador y ha escrito “Conciencia negra y proceso de liberación”, en La voz del arcoiris, Sextante, Rio 2004, pp. 88-106.

Traducción de Mª José Gavito Milano

La discriminazione degli afrodiscendenti continua

Una conseguenza della campagna elettorale del 2018 antidemocratica e segnata da un incalcolabile numero di fake news, è stata un rafforzamento di un razzismo già esistente: contro gl’indigeni, contro gli abitanti dei quilombos e particolarmente contro negri e negre. Secondo l’ultimo censimento, 55,4 % dei cittadini brasiliani si sono dichiarati o pardos o neri. Cioè, dopo il Kenia siamo la maggior nazione nera del mondo. La maggioranza ha nel suo sangue l’eredità africana. D’altra parte, bianchi, neri e gialli e di altri colori siamo africani, perché è stato in Africa che milioni di anni fa ha fatto irruzione il processo di antropogenesi.

Siccome la nostra storia è stata scritta da mani bianche, molti storici hanno tentato di annacquare la storia della schiavitù. Il fatto è che la schiavitù ha disumanizzato tutti, padroni e schiavi. L’uno e l’altro hanno vissuto la schiavitù in una permanente sindrome di paura, di rivolta, di avvelenamenti, di assassinii di padroni, di figli, di aggressione alle loro donne. I signori per poter contenere e usare la violenza contro i neri dovettero reprimere il loro senso di umanità e di compassione. Per questo, fino ad oggi le classi dominanti, eredi dell’ordine dettato dalla schiavitù, sono intrise dal preconcetto che i neri, e i mulatti devono essere trattati con violenza e durezza. Sono considerati pigri, mentre, in realtà, sono stati loro a costruire le nostre chiese e gli edifici coloniali.

Gli schiavi erano quasi sempre più numerosi dei bianchi. A Salvador e nella Capitania del Sergipe, intorno agli anni 1824, si contavano 666 mila schiavi e 192 mila bianchi liberi (Clovis Moura, sociologia del nero 1988, p.232). Nel 1818 in tutto il Brasile, 50,6 % della popolazione era di neri schiavi (Beozzo, chiesa e schiavitù, 1980, p. 259). E attualmente, come abbiamo riferito sopra sono 55,4 % della popolazione.

La schiavitù ha disumanizzato i negri molto più che gli altri. Darcy Ribeiro nel suo straordinario Il Popolo Brasiliano (1995) riassume bene la condizione di schiavitù:

Senza amore di nessuno, senza famiglia, senza sesso per non contare la masturbazione, senza nessuna identificazione possibile con nessuno –il loro capataz poteva essere un nero compagno di sventura, un nemico–, straccione e sudicio, schifoso e puzzolente, rognoso o malato, senza poter ricavare piacere o orgoglio dal proprio corpo. Vivevano una loro routine: che consisteva nel patire tutti i giorni il castigo quotidiano di scudisciate abbondanti perché imparassero a lavorare con attenzione e impegno.

Ogni settimana, c’era un castigo preventivo, pedagogico per non far loro pensare alla fuga e, quando richiamava l’attenzione sulla fuga piombava su di lui un castigo esemplare, nella forma di mutilazione di dita, di perforazione dei seni, di bruciature con tizzoni, di ritrovarsi tutti i denti spaccati metodicamente o di bastonate o a rimanere in piazza alla gogna; intorno alle 300 scudisciate in un colpo solo, per uccidere, o 50 scudisciate per sopravvivere. Se fuggiva e veniva preso poteva essere marcato con un ferro rovente, essere bruciato vivo, con tanti giorni di agonia, all’imbocco di una fornace oppure in una botta sola buttato dentro per bruciare come una torcia resinosa.” (p.119-120).

A causa di questo tipo di violenza, gli schiavi hanno interiorizzato il loro oppressore. Per sopravvivere, hanno dovuto accettare religione, costumi e lingua dei loro oppressori. Hanno sviluppato la strategia del “jeitinho” per non dire mai di no e al tempo stesso poter raggiungere un obiettivo che in altro modo mai avrebbero raggiunto.

Già da molto tempo è nata una robusta coscienza della negritudine con la determinazione di riscattare l’identità loro propria, le loro religioni e il loro modo di stare nel mondo. Si tratta di stabilire il soggetto della liberazione e negri e le nere, contrastando il loro inserimento forzato nella iniqua storia della barbarie bianca.

La storia raccontata da mano nera non è soltanto una storia contro il bianco; è una storia loro propria, che non si confonde con la storia degli schiavisti, anche se ad essa sta legata dialetticamente, e con essa sta facendo il suo libero corso.

L’abolizione degli schiavi del 1888 non significò l’abolizione della mentalità schiavista, presente nella cultura dominante che continua a mantenere centinaia di lavoratori con una relazione analoga a quella degli schiavi. Nel gennaio del 2019, c’erano 204 imprenditori colpevoli di questo crimine. Basta leggere la recente opera distribuita nel 2019 “Studi sopra la forma contemporanea di lavoro schiavo” (Maud) con la collaborazione di 44 ricercatori che hanno coperto nel loro studio gran parte dell’area nazionale, organizzata dal noto socialista, insieme ad altri, Riccardo Rezende Figueira. L’impressione finale è spaventosa. Come ancora oggi persiste la perfida disumanità di esseri umani che schiavizzano altri esseri umani?

*Leonardo Boff è ricercatore e ha scritto Coscienza negra e processo di liberazione, in “A voz do arco-iris, Sextante ,Rio 2004,pp.88-106.

Traduzione di Romano Baraglia e Lidia Arato.