Carnaval: celebrar a alegria de viver,apesar dos pesares

O Brasil está vivendo uma das fases  mais tristes e até macabras de sua história. Foi desmascarada a lógica da corrupção, presente em toda a nossa história, como parte de um Estado patrimonialista (colonialista, escravagista, elitista e antipopular) e sequestrado durante séculos pelas oligarquias do ser, do ter, do saber, do dominar  e do manipular a opinião pública. Por todo esse tempo, grassou a corrupção e não apenas, como se atribuiu, nos últimos anos, quase que  exclusivamente ao PT (é verdade, que suas  cúpulas foram contaminadas),  feito bode expiatório como forma de ocultar a corrupção dos privilegiados de sempre.

Surgiu um novo “Collor”(“caça aos marajás”),  o “mito”, Jair Bolsonaro, (“exterminar a  corrupção” e ” o comunismo”). Foram suficientes um pouco mais de dois meses  de mandato para se identificar a corrupção também em suas próprias hostes, até em sua família. Muitos acreditaram ingenuamente na profusão de fake news e slogans de viés nazista: “Brasil acima de tudo”(“Deutchland über alles, lema de Hitler) e “Deus acima de todos”. Qual Deus? Aquele dos neopentecostais que promove a prosperidade material mas é surdo à nefasta injustiça social e que dá muito dinheiro a seus pastores, verdadeiros lobos a  tosquiar as ovelhas? Não é o Deus do Jesus pobre e amigos dos pobres, de quem falava Fernando Pessoa “que não entendia nada de contabilidade e que não consta que tinha uma  biblioteca”. Era pobre mesmo que perambulava por todos os lugares anunciando “uma grande alegria para  todo o povo” como relatam os evangelhos.

Dentro deste quadro sinistro se festeja o carnaval. Não poderia deixar de ser, pois é um dos pontos altos  da vida de milhões de brasileiros. A festa faz esquecer as decepções e dá espaço às muitas raivas afogadas na garganta (como milhares em São Paulo, gritando indecentemente ‘B.vá tomar no c`). A festa, por um momento, suspende o terrível cotidiano e o tempo tedioso dos relógios. É como se, por um lapso de tempo, participássemos da eternidade, pois na festa se suspende o tempo dos relógios.

Pertence à festa o excesso, a ruptura das normas convencionais e das formalidades sociais. Lógico, tudo o que é sadio pode ficar doentio, como o caráter orgiástico de algumas expressões carnavalescas. Mas não é esta a característica própria  do  carnaval.

A festa é um fenômeno da riqueza. Aqui riqueza não significa possuir dinheiro. A riqueza da festa é  a riqueza da razão cordial, da alegria, de mostrar um sonho de fraternidade ilimitada, gente da favela com gente da cidade organizada, todos fantasiados: crianças, jovens, adultos, homens e mulheres e idosos dançando, cantando, comendo e bebendo juntos. A festa é a exaltação de que podemos ser alegres e felizes, apesar dos pesares.

Se bem refletirmos, a alegria do carnaval é uma expressão de amor que é mais que empatia. Quem não ama nada ou ninguém, não pode se alegrar, mesmo  que angustiadamente suspire pelo amor. Um teólogo da Igreja Ortodoxa, do século V da era cristã, São João Crisóstomo (de quem o Card. Dom Paulo Evaristo Arns era um grande entusiasta e leitor) escreveu bem:”ubi caritas gaudet, ibi est festivitas”; “onde o  amor se alegra, ai se encontra a festividade”.

Agora uma pitada  de reflexão: o tema da festa comparece como um fenômeno que tem desafiado grandes nomes do pensamento como R. Caillois,  J. Pieper, H. Cox, J. Motmann e o próprio  F. Nietzsche. É que a festa revela o que há ainda de inocente e mítico em nós no meio da maturidade e da predominância da fria razão instrumental-analítica que rege nossas sociedades.

A festa reconcilia todas as coisas e nos devolve a saudade do paraíso das delícias, que nunca se perdeu totalmente. Platão sentenciava com razão:”os deuses fizeram as festas para que os homens pudessem respirar um pouco”. A festa não  é  só um dia que os homens fizeram mas também “um dia que o Senhor fez” como diz o Salmo 117,24. Efetivamente, se a vida é uma caminhada onerosa, precisamos, às vezes, de parar para respirar e, renovados, seguir adiante com alegria e coragem no coração.

Donde brota a alegria da festa? Foi Nietzsche quem encontrou sua melhor formulação: ”para alegrar-se de alguma coisa, precisa-se dizer a todas as coisas: “sejam benvindas”. Portanto, para podermos festejar de verdade precisamos afirmar positividade de todas coisas. Continua Nietzsche:”Se pudermos dizer sim a um único momento então teremos dito sim não só a nós mesmos mas à totalidade da existência” ”(Der Wille zur Macht, livro IV: Zucht und Züchtigung n.102).

Esse sim subjaz às nossas decisões cotidianas,ao nosso trabalho, à preocupação pela família, ao emprego ameaçado agora pelas novas leis regressivas do atual governo, ao tipo de aposentadoria que nos é apresentada, prejudicando os idosos e os camponeses, à convivência com amigos e colegas. A festa é o tempo forte no qual o sentido secreto da vida é vivido mesmo inconscientemente. Da festa saímos mais fortes para enfrentar  as exigências da vida, para a maioria, sempre lutada e levada na marra.

Temos boas razões para festejar nesse carnaval de 2019 para, por um momento,deixar de lembrar as agruras políticas e sociais que nos angustiam. Tiremos da cabeça, o atual governo ainda sem rumo e  com  ministros que nos envergonham e com políticos que representam mais os grupos que os elegeram que os reais interesses do povo. Apesar disso tudo, a alegria há de predominar. É ela que nos faz resistir e esperar contra toda a esperança.Dias melhores virão.

Leonardo Boff é filosofo, teólogo e escritor e escreveu :Virtudes por um outro mundo possível, 3 Vozes 2005

 

Dialogando com o Deus-Comunhão-de-Divinas Pessoas e com o povo

Silhueta se Deus é um livro singular de alguém que tem um pé no meio do povo e dos pobres e outro pé na universidade e na academia. Fernando Altmeyer Junior é bem conhecido na PUC de São Paulo e em Sapopempa e outras localidades da periferia onde viveu ou trabalhou e ainda trabalha. Possui rigorosa formação acadêmica unida a um sério compromisso com os direitos humanos e a justiça social. Foi importante assessor do Cardeal Dom Paulo Evaristo e move-se bem nas entrevistas em rádios e em programas de televisão. É fascinado por números da história da Igreja antiga e moderna.Para as grandes festas litúrgicas prepara excelentes subsídios numa linguagem que todos entendem e situada na realidade de hoje. Onde aparece traz sorriso, alegria,senso de humor e é capaz de despertar a esperança do mais prostrado. Escrevi o prefácio  ao seu livro, que publico aqui. Recomendo vivamente este belo livro por seu conteúdo moderno e especialmente por sua linguagem clara, leve e até poética: SILHUETAS DE DEUS, Vozes 2019. Lboff

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Eis o meu prefácio:

Finalmente um livro sobre o Deus cristão: a Trindade de Divinas Pessoas em eterno amor e infinita comunhão. O autor Fernando Altmeyer tem toda as virtudes para escrever este livro em três partes: Um grande diálogo com o Deus-Abbba; uma prosa com Jesus, o Filho amado e uma carícia do Espírito de Amor, o Espírito Santo.

A singularidade deste livro  reside nisso: não aborda como os manuais as reflexões sobre o Deus cristão que é sempre a Trindade de Divinas Pessoas em comunhão e amor. Ele escreve como ele pessoalmente é: um teólogo e pastor que tomou a sério a opção pelos pobres e sua inserção no meio popular. E encontrou um meio de expressão adequado ao espírito de hoje.

Seus textos mostram alguém que frequentou a academia e ainda frequenta, como professor da PUC-SP mas nunca tirou os pés do meio do povo e da pastoral popular.

O livro revela grande erudição, mas não ostensiva que ofusca o olhar do leitor e da leitora, mas ela está a serviço da mensagem. Frequenta a literatura antiga do Padres da Igreja, dos filósofos gregos e dos escritores romanos. Visita os autores modernos, não só teólogos e pensadores, mas também  escritores da literatura universal e valoriza enormemente as histórias e os diálogos com gente do povo que ele bem conhece.

Não faz grandes tratados  como os já clássicos. Toma temas da vida cotidiana como a festa, a alegria, a felicidade, o silencio interior, as virtudes, a biografia de santos, santas e figuras seminais que nos inspiram até hoje e até um belo comentário à oração antes de dormir “Santo Anjo protetor, meu zeloso guardador…”

Não se recusa a tratar temas espinhosos como o do mal, do ateísmo, de gênero, mas sempre deixando  as portas abertas e uma aura de esperança. Belíssimo é o ultimo capítulo dedicado a São Francisco de Assis e à Senhora Pobreza, possivelmente em homenagem ao Papa Francisco. Há de se sublinhar seu gosto pessoal pelas datas exatas, atrás de cada autor citado e de fatos do passado, com o dia e o ano.

Em tudo há leveza e jovialidade, próprias da personalidade de Altmeyer. Quando chega, traz sorriso, humor inteligente e uma irradiação de alegria de viver, mesmo quando se indigna sobre os escândalos da política e da própria Igreja.

Vale citar um texto que ele toma de um grande teólogo espanhol, Antônio Pagola, que escreveu um dos mais belos livros sobre Jesus de Nazaré e que mostra bem a linha de pensamento e a linguagem de Altmeyer:

“É muito raro em nossos dias ouvir pregar sobre a felicidade. Há tempos que ela desapareceu do horizonte da teologia. Ao que parece, esqueceu-se daquela explosão de júbilo que viveu nas origens o cristianismo e acabamos ficando exclusivamente com as exigências, a lei e o dever. A impressão global que os cristãos dão hoje é de uma fé que estreitaria e angustiaria a vida do homem, que aliena sua ação e mataria seu prazer de viver. A acusação de F.Nietzsche, em geral, é correta: não temos feições de redimidos, parecemos pessoas acorrentadas do que libertadas por seu Deus“(p.38).

Vale ler e meditar  este livro, pois passa pelos principais temas da vida cristã com uma linguagem fluente, elegante e cheia de belos exemplos e metáforas criativas.

Destes escritores precisa o cristianismo de hoje. Temos teólogos e teólogas das várias igrejas cristãs  que escrevem de forma erudita, mas que dificilmente chegam aos leitores e às leitoras da base. Este livro pode significar um desafio aos colegas para que sigam esta linha: sem diminuir a teologia e a reflexão séria, chegar finalmente, pela linguagem fácil e sugestiva, ao coração das pessoas.

Leonardo Boff

Petrópolis 12 de outubro, festa da Padroeira do Brasil, Nossa Senhora de Aparecida

 

Unser aller mysteriöses Schicksal

Jede und jeder Einzelne von uns ist so alt wie das Universum, nämlich 13,7 Milliarden Jahre. Wir alle befanden uns in diesem winzigen Punkt, noch kleiner als ein Stecknadelkopf, doch voller Energie und Materie. Der Urknall schuf die enormen roten Sterne, die all die physikalisch-chemischen Elemente enthalten, die das Universum beinhaltet, und alle Wesen sind daraus entstanden. Wir sind die Söhne und Töchter der Sterne und des kosmischen Staubs. Wir sind auch der Teil der lebendigen Erde, der kam, um zu fühlen, denken, lieben und zu verehren. Durch uns ist der Erde und dem Universum bewusst, dass wir ein großes Ganzes bilden. Und wir können aus dieser Zugehörigkeit Bewusstsein entwickeln.

Was ist unser Platz in diesem Ganzen? Oder noch direkter: im Prozess der Evolution? Auf der Erde? In der Geschichte der Menschheit? Das können wir jetzt noch nicht wissen. Vielleicht ereignet sich die große Offenbarung in dem Moment, wenn wir den Schritt von dieser Seite des Lebens auf die andere Seite tun. Dort, so hoffe ich, wird alles klar sein, und wir werden überrascht sein, denn alles ist miteinander verknüpft und bildet die riesige Kette von Lebewesen und dem Gewebe des Lebens. Wir werden fallen – so glaube ich – in die Arme von Gott-Vater-und-Mutter der unendlichen Gnade für alle, die wegen ihrer Boshaftigkeit darauf angewiesen sind, und wir werden fallen in eine ewige liebevolle Umarmung für diejenigen, deren Leben von der Güte und Liebe geleitet wurden. Nach Durchlaufen dieser Klinik von Gottes Gnade werden auch die anderen kommen.

Als ich erst wenige Monate alt war, war ich dem Tode ganz nahe. Meine Mutter erinnerte sich, und auch meine Tanten erzählten immer wieder, dass ich “el macaquiño” hatte, der volkstümliche Ausdruck für eine schwere Anämie. Was immer man mir gab, ich erbrach es wieder. Jeder sagte im Dialekt des Veneto: “poareto, va morir” (Das arme kleine Kind wird sterben).

Verzweifelt, und es meinem Vater verheimlichend, der an solche Dinge nicht glaubte, lief meine Mutter zur Gebetsfrau, der alten Campañola. Sie betete und trug meiner Mutter auf: “Bereite deinem Kind ein Bad mit diesen Kräutern, und wenn du ein Brot im Ofen gebacken hast, warte, bis es lauwarm ist, und setze dein Kind hinein.” Dies tat Regina, meine Mutter. Sie höhlte das frisch gebackene Brot aus und legte mich hinein. Dort ließ sie mich eine Weile liegen.

Eine Veränderung ereignete sich. Als ich herausgehoben wurde, so sagten sie, begann ich zu weinen, suchte die Brust meiner Mutter und trank von ihrer Milch. Danach kaute meine Mutter feste Lebensmittel, die sie mir dann zu essen gab. Ich begann zu essen und wurde stärker. Ich überlebte. Und hier bin ich jetzt, ein offiziell 80 Jahre alter Mann.

Ich erlebte einige lebensbedrohliche Situationen, denen ich immer haarscharf entkommen bin: ein DC-10 Flugzeug in Flammen auf dem Weg nach New York; ein Autounfall, bei dem ich auf der Autobahn mit einem toten Pferd zusammenstieß, wobei ich mich schwer verletzte; ein riesiger Nagel, der während meiner Studienzeit in München direkt vor mir zu Boden fiel und der mich hätte töten können, wäre er auf meinen Kopf gefallen. Ich fiel in eine tiefe, von Schnee bedeckte Schlucht in den Alpen, und ein paar bayrische Bauern, die meine dunkle Kleidung sahen und beobachteten, dass ich immer tiefer fiel, zogen mich mit einem Seil heraus. Und es gab noch andere Situationen dieser Art.

Norberto Bobbio verlieh mir die Ehrendoktorwürde für Politik der Universität Turin. Er erkannte, dass die Befreiungstheologie einen großen Beitrag leistete, indem sie die historische Kraft der Armen bekräftigte. Die klassische Hilfestellung durch bloße Solidarität, durch die die Armen stets abhängig bleiben, ist unzureichend. Die Armen können die Akteure ihrer eigenen Befreiung sein, wenn sie sich dessen bewusst werden (concientizados) und sich organisieren. Wir überwanden das “für die Armen”. Uns geht es um das Gehen “mit den Armen”, indem sie die Protagonisten sind. Und diejenigen, die dazu in der Lage sind und dieses Charisma besitzen, leben als Arme. Das taten viele so, wie z. B. Dom Pedro Casaldaliga.

Ich erinnere mich, dass ich meine Dankesrede für die verliehene Doktorwürde, die ich dem großzügigen Norberto Bobbio verdanke, mit den folgenden Worten begann: “Ich stamme aus einem behauenen Stein, aus dem Boden der Geschichte, als wir nur gerade so das Nötigste zum Überleben hatten. Meine italienischen Vorfahren und meine Familie schufen eine Lichtung in einer unbewohnten Region, die mit Pinienwäldern bedeckt war, in Concordia, am Rande von Santa Catarina. Sie mussten kämpfen, um zu überleben. Viele starben in Ermangelung ärztlicher Versorgung. Später stieg ich auf der Leiter der Evolution auf: meine elf Brüder studierten, gingen zur Universität, und ich war in der Lage, mein Studium in Deutschland abzuschließen. Und nun stehe ich hier in dieser berühmten Universität”.

Auf Bobbios Wunsch führte ich einen Vortrag im Sinn der Befreiungstheologie durch, in deren Zentrum die Option für die Armen steht, die sich gegen Armut wendet und die für soziale Gerechtigkeit eintritt. Ich habe in der ganzen Welt Vorträge gehalten, habe viele Bücher geschrieben, wischte Tränen weg und hielt die Hoffnung der Mitkämpfer aufrecht, die durch den Lauf der Ereignisse in unserem Land frustriert wurden.

Was wird mein Schicksal sein? Ich weiß es nicht. Ich wählte als mein Motto das meines Vaters, der danach lebte: “Wer nicht lebt, um zu dienen, führt kein Leben, das wert ist, gelebt zu werden.” Gott hat das letzte Wort.

Leonardo Boff Öko-Theologe und Philosoph von der Erdcharta-Kommission

Überstzt von Bettina Gold-Hartnack