Participação Social, o novo fantasma das elites

Ladislau Dowbor é um dos melhores economistas, professor da matéria na PUC-SP com larga experiência internacional. Junto com Ignace Sachs e outros propugna por uma economia ecológica. Vale a pena seguir seu portal pois traz inúmeros materiais próprios e de outros países: http://dowbor.org  Publicamos o presente material porque é esclarecedor e desmascara a argumentação daqueles que não estão interessados em melhorar nossa democracia que é de baixíssima intensidade: Lboff

Ladislau Dowbor*

Ladislau-Dowbor.-Perfil-DiálogosO texto na nossa Constituição é claro, e se trata nada menos do que do fundamento da democracia: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Está logo no artigo 1º, e garante portanto a participação cidadã através de representantes ou diretamente. Ver na aplicação deste artigo, por um presidente eleito, e que jurou defender a Constituição, um atentado à democracia não pode ser ignorância: é vulgar defesa de interesses elitistas por quem detesta ver cidadãos se imiscuindo na política. Preferem se entender com representantes.

participabrA democracia participativa em nenhum lugar substituiu a democracia representativa. São duas dimensões de exercício da gestão pública. A verdade é que todos os partidos, de todos os horizontes, sempre convocaram nos seus discursos a que população participe, apoie, critique, fiscalize, exerça os seus direitos cidadãos. Mas quando um governo eleito gera espaços institucionais para que a população possa participar efetivamente, de maneira organizada, os agrupamentos da direita invertem o discurso.

É útil lembrar aqui as manifestações de junho do ano passado. As multidões que manifestaram buscavam mais quantidade e qualidade em mobilidade urbana, saúde, educação e semelhantes. Saíram às ruas justamente porque as instâncias representativas não constituíam veículo suficiente de transmissão das necessidades da população para a máquina pública nos seus diversos níveis. Em outros termos, faltavam correias de transmissão entre as necessidades da população e os processos decisórios.

Os resultados foram que se construíram viadutos e outras infraestruturas para carros, desleixando o transporte coletivo de massa e paralisando as cidades. Uma Sabesp vende água, o que rende dinheiro, mas não investe em esgotos e tratamento, pois é custo, e o resultado é uma cidade rica como São Paulo que vive rodeada de esgotos a céu aberto, gerando contaminação a cada enchente. Esta dinâmica pode ser encontrada em cada cidade do país onde são algumas empreiteiras e especuladores imobiliários que mandam na política tradicional, priorizando o lucro corporativo em vez de buscar o bem estar da população.

Participação funciona. Nada como criar espaços para que seja ouvida a população, se queremos ser eficientes. Ninguém melhor do que um residente de um bairro para saber quais ruas se enchem de lama quando chove. As horas que as pessoas passam no ponto de ônibus e no trânsito diariamente as levam a engolir a revolta, ou sair indignadas às ruas. Mas o que as pessoas necessitam é justamente ter canais de expressão das suas prioridades, em vez de ver nos jornais e na televisão a inauguração de mais um viaduto. Trata-se aqui, ao gerar canais de participação, de aproximar o uso dos recursos públicos das necessidades reais da população. Inaugurar viaduto permite belas imagens; saneamento básico e tratamento de esgotos muito menos.

Mas se para muitos, e em particular para a grande mídia, trata-se de uma defesa deslavada da política de alcova, para muitos também se trata de uma incompreensão das próprias dinâmicas mais modernas de gestão pública.

encontro-psUm ponto chave, é que o desenvolvimento que todos queremos está cada vez mais ligado à educação, saúde, mobilidade urbana, cultura, lazer e semelhantes. Quando as pessoas falam em crescimento da economia, ainda pensam em comércio, automóvel e semelhantes. A grande realidade é que o essencial dos processos produtivos se deslocou para as chamadas políticas sociais. O maior setor econômico dos Estados Unidos, para dar um exemplo, é a saúde, representando 18,1% do PIB. A totalidade dos setores industriais nos EUA emprega hoje menos de 10% da população ativa. Se somarmos saúde, educação, cultura, esporte, lazer, segurança e semelhantes, todos diretamente ligados ao bem estar da população, temos aqui o que é o principal vetor de desenvolvimento. Investir na população, no seu bem estar, na sua cultura e educação, é o que mais rende. Não é gasto, é investimento nas pessoas.

A característica destes setores dinâmicos da sociedade moderna é que são capilares, têm de chegar de maneira diferenciada a cada cidadão, a cada criança, a cada casa, a cada bairro. E de maneira diferenciada porque no agreste terá papel central a água; na metrópole, a mobilidade e a segurança e assim por diante. Aqui funciona mal a política centralizada e padronizada para todos: a flexibilidade e ajuste fino ao que as populações precisam e desejam são fundamentais, e isto exige políticas participativas. Produzir tênis pode ser feito em qualquer parte do mundo, coloca-se em contêiner e se despacha para o resto do mundo. Saúde, cultura, educação não são enlatados que se despacham. São formas densas de organização da sociedade.

Eu sou economista, e faço as contas. Entre outras contas, fizemos na Pós-Graduação em Administração da PUC-SP um estudo da Pastoral da Criança. É um gigante, mais de 450 mil pessoas, organizadas em rede, de maneira participativa e descentralizada. Conseguem reduzir radicalmente, nas regiões onde trabalham, tanto a mortalidade infantil como as hospitalizações. O custo total por criança é de 1,70 reais por mês. A revista Exame publica um estudo sobre esta Organização da Sociedade Civil (OSC), porque tenta entender como se consegue tantos resultados com tão poucos recursos. Não há provavelmente instituição mais competitiva, mais eficiente do que a Pastoral, se comparada com as grandes empresas, bancos ou planos privados de saúde. Cada real que chega a organizações deste tipo se multiplica.

A explicação desta eficiência é simples: cada mãe está interessada em que o seu filho não fique doente, e a mobilização deste interesse torna qualquer iniciativa muito mais produtiva. Gera-se uma parceria em que a política pública se apoia no interesse que a sociedade tem de assegurar os resultados que lhe interessam. A eficiência aqui não é porque se aplicou a última recomendação dos consultores em kai-ban, kai-zen, just-in-time, lean-and-mean, TQM e semelhantes, mas simplesmente porque se assegurou que os destinatários finais das políticas se apropriem do processo, controlem os resultados.

DemocraciaAs organizações da sociedade civil têm as suas raízes nas comunidades onde residem, podem melhor dar expressão organizada às demandas, e sobre tudo tendem a assegurar a capilaridade das políticas públicas. Nos Estados Unidos, as OSCs da área da saúde administram grande parte dos projetos, simplesmente porque são mais eficientes. Não seriam mais eficientes para produzir automóveis ou represas hidroelétricas. Mas nas áreas sociais, no controle das políticas ambientais, no conjunto das atividades diretamente ligadas à qualidade do cotidiano, são simplesmente indispensáveis. O setor público tem tudo a ganhar com este tipo de parcerias. E fica até estranho os mesmos meios políticos e empresariais que tanto defendem as parceiras público-privadas (PPPs), ficarem tão indignados quando aparece a perspectiva de parcerias com as organizações sociais. O seu conceito de privado é muito estreito.

Eu, de certa forma graças aos militares, conheci muitas experiências pelo mundo afora, trabalhando nas Nações Unidas. Todos os países desenvolvidos têm ampla experiência, muito bem sucedida, de sistemas descentralizados e participativos, de conselhos comunitários e outras estruturas semelhantes. Isto não só torna as políticas mais eficientes, como gera transparência. É bom que tanto as instituições públicas como as empresas privadas que executam as políticas tenham de prestar contas. Democracia, transparência, participação e prestação de contas fazem bem para todos. Espalhar ódio em nome da democracia não ajuda nada.

*Ladislau Dowbor é do núcleo fundador de Diálogos do Sul, professor de economia da PUC-SP.

9 comentários sobre “Participação Social, o novo fantasma das elites

  1. É PRECISO VER OS DOIS LADOS DA MOEDA:

    “O próprio governo vai indicar esses membros desses conselhos. E mais: É o aparelhamento ideológico por meio de movimentos sociais, filiados ao PT e sindicalistas ligados ao governo.Isso é uma afronta à ordem constitucional do País. O PT esvazia o poder legislativo e transfere as decisões aos seus “companheiros”.

    Democracia se dá por meio dos seus representantes eleitos para o Congresso. Uma pessoa, um voto:

    Não existe cidadão mais importante que o outro. Agora o petista desses conselhos vai ter mais poder que um cidadão comum? Mais poder que alguém eleito democraticamente pelo povo?

    Não vamos deixar esse ataque à Constituição e à democracia prosperar. Estamos avaliando acionar o STF. Dilma e o PT querem transformar o Brasil numa Venezuela, onde Chávez criou grupos de poder paralelos, que jogaram o País naquela bagunça, onde as instituições não são respeitadas.

    O PT/Dilma escancarou sua face ditatorial! Fiquem atentos! Aqui não é a Venezuela. Não vamos admitir uma ditadura.

    Mendonça Filho disse ao Globo que :

    “Dilma e o PT querem enfraquecer o Legislativo – responsável por discutir as propostas de governo.Esse decreto é uma aberração. É uma desfaçatez o PT e a presidente Dilma chegarem ao nível de passar por cima do Legislativo, caixa de discussão e ressonância da sociedade. Dilma quer criar um poder paralelo – disse Mendonça Filho.Para ele, os integrantes das novas estruturas serão escolhidos pelo governo, o que já vicia todo o processo.”

    Serão os Conselhos dos Amigos do Poder:

    Quer criar um poder paralelo e ainda cidadãos de primeira e segunda classe. Para ser ouvido, o cidadão comum tem que estar associado a uma ONG ou a um sindicato – disse ele.

    Venezuela:

    Para que tenhamos uma ideia exata do que pretendem fazer basta que vejamos o que está acontecendo na Venezuela depois que Hugo Chaves fez o Plebiscito (Não confunda com referendo).Em áudio gravado vemos o Diretor de Esportes do estado Zulia, Leonet Cabezas, anunciando a demissão de todos os funcionários que votaram em Capriles nas últimas eleições. Ele afirma que está apenas esperando chegar a papelada.Para dar enfase a sua afirmação ele bate no peito e diz:

    “Eu sou Chavista! Eu sou Chavista!Palavras que “Enquanto eu for presidente (da Camara) não terá direito a palavra nenhum deputado que não reconheça a vitória de Nicolas Maduro.”

    Depois ele diz que quem não estiver satisfeito que se vá embora levando consigo o fascismo. ( Mais uma vez utilizando a palavra fascismo sem saber o seu significado. Já que ele está sendo o fascista).

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  2. Caro Professor Leonardo,

    Talvez haja uma incapacidade muito grande de compreensão do “verdadeiro alcance” do decreto de Dilma por motivos eventualmente semelhantes de compreensão das diferenças entre “os Silvas”, conforme apontou brilhantemente Eliane Brum em artigo publicado pelo jornal El País Brasil, 02-09-2014 (que deixo ao senhor na publicação pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU): http://www.ihu.unisinos.br/noticias/534878-os-silva-sao-diferentes
    Espero que o senhor compreenda!
    Abraço.

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  3. Leonardo, prezo muito sua opinião e gostaria que você falasse sobre as eleições presidenciais do Brasil. Você continua sendo eleitor da Marina(a representante do povo das florestas) ou acha que ela se perdeu no caminho?

    Grato,

    Pedro

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  4. […] Ladislau Dowbor é economista e professor da PUC-SP, com larga vivência internacional. Neste texto esclarece e desmascara a argumentação de quem não parece interessado em melhorar a democracia brasileira, de baixíssima qualidade, aliás, Denuncia uma “reação feroz dos conservadores ao decreto de Dilma”, revelando também a incapacidade da elite em compreender as sociedades atuais e seu interesse de apen as manter política como monopólio dos “representantes”. Para saber mais, acesse: https://leonardoboff.wordpress.com/2014/09/03/participacao-social-o-novo-fantasma-das-elites/ […]

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