Quando acordaremos? Eventos extremos no Brasil

Washington Novaes é um dos jornalistas mais bem informados em questões ecológicas do Brasil e do mundo. Acaba de publicar no dia 13 de janeiro do corrente ano no O Estado de São Paulo,sob o título “Um bom momento para tomar juizo” um artigo sobre os impactos ambientais que estão ocorrendo no país com estiagens aterradoras no Sul e enchentes devastadoras no Sudeste, particularmente em Minas Gerais e no Norte do Estado do Rio de Janeiro.São consequências das mutações climáticas, em grande parte provocadas pela ação humana que estressa os ecossistemas. O Código Florestal a ser votado em breve não pode deixar de confrontar-se com tais eventos extremos, caso queira estar à altura dos desafios advindos da situação mudada do planeta Terra e dos vários biomas regionais.Este artigo é um chamado à responsabilidade dos políticos face ao futuro de nosso pais, particularmente, no que concerne à agricultura de grãos e à pecuária.Eis o texto: LB

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A nova discussão e votação do projeto de Código Florestal no Congresso, prevista para as semanas depois de terminado o recesso, poderá ser uma boa oportunidade para que os parlamentares, observando o que está acontecendo de desastres em função de “eventos extremos” (chuvas, principalmente) nos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, entre outros pontos, possam rever dispositivos que reduzem áreas de preservação permanente à beira de rios, em encostas e topos de morros. O panorama naqueles dois Estados é muito claro: o desmatamento nas três situações reduz a infiltração de água no subsolo, aumenta a erosão e o carreamento de sedimentos para a calha dos rios; e nesta se reduz a capacidade de receber água e manter contido o fluxo hídrico; as inundações não só afetam culturas como derrubam barragens, destroem pontes e aterros, inundam comunidades, desalojam dezenas de milhares de pessoas. O caso do rio Muriaé, nestas últimas semanas, é bem típico.
Nada leva a crer que vá mudar o panorama de “eventos extremos”. Estudos nas universidades de Columbia e Carolina do Norte, nos EUA (Forbes, 23/12/11) publicados nos Proceedings of the National Academy of Sciences (agosto de 2009), prevêem que impactos nos cultivos de milho, soja e algodão, em função de temperaturas mais altas neste século, serão pelo menos 25 a 30% maiores, antes de se iniciar um processo de declínio; as projeções mais pessimistas indicam perdas entre 63 e 82% até o fim do século 21. Também a Organização Meteorológica Mundial prevê que a temperatura terrestre continuará a elevar-se; 2010 foi um dos anos mais quentes desde 1850; entre 1998 e 2011 aconteceram os 12 anos mais quentes desde que se registram temperaturas. E estas, se mais elevadas, podem influenciar chuvas mais fortes.
Mesmo no Brasil há informações inquietantes. Estudos do prof. Paulo Alfredini, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da USP (ESTADO, 1/1) mostram que a elevação do nível do mar no litoral Norte de São Paulo – segundo registros da Cia. Docas de Santos entre 1944 e 2007 – pode ser calculada em 74 centímetros em um século e deve acelerar-se em 20 anos, para chegar no final do século 21 a um metro nos pontos de menor declive. Água salgada pode comprometer sistemas de abastecimento urbano.
Em nosso país, escreve o correspondente Jamil Chade (ESTADO, 6/1), enchentes já provocaram prejuizos de R$5 bilhões em uma década, segundo a seguradora Swiss Re – além de 120 mortes por ano, entre as 19 milhões de pessoas expostas ao risco. Segundo a ONU, já somos o 13% país mais vulnerável por esse ângulo, com 246 mil pessoas afetadas por ano; e o 18.o em prejuízos. Só nas últimas semanas, 2,5 milhões de pessoas foram atingidas pelas chuvas, segundo o governo federal (ESTADO, 10/1) – sem falar nas secas extremas no Rio Grande do Sul, com prejuizos de R$2 bilhões nos cultivos de soja, milho e algodão.
Desde a década de 1980 que o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, vem advertindo para o agravamento dos desastres nessa área; mas parecemos surdos, cegos e céticos. Pelo menos por aqui. Para ficar só nos fatos mais recentes, em 2010, a hoje presidente Dilma Roussef prometeu que o governo federal tomaria medidas para evitar novos desastres. Mas quando se lê hoje sobre escândalos no Ministério da Integração Nacional conclui-se que os interesses eleitorais prevaleceram sobre tudo. Em oito anos, o Congresso Nacional autorizou a aplicação de R$2,8 bilhões na área de programas de prevenção de desastres nessa área – mas só foram aplicados R$695,4 milhões (O Globo, 3/1/12). No ano passado, mais de 900 pessoas morreram nas inundações e deslizamentos de terras no Estado do Rio de Janeiro. Mas de lá para cá praticamente nada se fez para mudar o quadro – e as novas chuvas estão levando a novos desastres. Em Belo Horizonte, dezembro foi o mês mais chuvoso na História, diz o Instituto Nacional de Meteorologia – e o panorama em Minas é desastroso, a começar pelas regiões banhadas ali (e no Estado do Rio) pelo rio Muriaé. Nas proximidades de Campos, toda a população de Três Vendas, cerca de 4 mil pessoas, teve de abandonar suas residências.
Levantamento do Serviço Geológico do Brasil (O Globo, 3/1) indica que em 251 municípios há risco de acidentes por causa do clima; 178,5 mil pessoas vivem em áreas de risco alto ou muito alto. Só na cidade de São Paulo 27,1 mil famílias, cerca de 100 mil pessoas, moram em regiões de alto risco.Quase um milhão de pessoas ocupam áreas inadequadas, inclusive de preservação permanente. Ainda há pouco, o Ministério Público recorreu à Justiça para exigir que os órgãos estaduais e municipais promovam obras em 121 favelas onde 20 mil moradias correm o risco de sofrer com deslizamentos.
É preciso repetir: mudanças climáticas já são o mais grave problema a enfrentar, aqui e em toda a parte. Há poucos dias, a Universidade de Louisiana, EUA, advertiu que são muitos fortes os riscos para a população de 16 países no Sul da Ásia, com o derretimento de geleiras, que acontece também no Ártico e nos Andes. O governo das Ilhas Maldivas, no Pacífico, anunciou que vai cuidar da transferência de parte de sua população para a Austrália, por causa da elevação do nível do mar que já está acontecendo e ameaça mais de 30 países-ilhas.
Iniciativas importantes estão acontecendo nas áreas de energias, transportes, construção e outras, para reduzir emissões de poluentes. De modo geral, entretanto, continuam a prevalecer, nos negócios públicos e em empresas, as lógicas financeiras imediatistas. Quando acordaremos ? Poderíamos dar um bom exemplo ao mundo no caso do nosso Código Florestal, durante a próxima votação. Os cientistas já mostraram que não é preciso retroceder na proteção aos biomas, para expandir a agropecuária. É preciso ouvi-los.

11 comentários sobre “Quando acordaremos? Eventos extremos no Brasil

  1. As Ilhas Maldivas não estão localizadas no oceano pacífico, e sim no oceano índico. Terias a fonte que comprove que o governo tenha anunciado essa transferência? Obrigado, abraço!

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  2. Fala-se tanto em programas televisivos sobre a realidade, como por exemplo do BBB da Globo, acho que está na hora das redes de TV públicas fazerem um “Reality” com membros das elites brasileiras para passarem uma temporada no sertão nordestino, nas aldeias indígenas na Amazônia, trabalhando na enxada numa pequena propriedade do sul do país e outras situações, podendo poupá-los de outras indesejáveis para qualquer ser humano, para que conheçam o país onde vivem, para que olhem a realidade de fora do carro importado, de fora do shopping center, de fora dos palácios, de fora das fortalezas do poder público, etc. Acho que poderia ser um caminho para humanizar os homens e mulheres que vivem um mundinho fechado entre seus pares, porém esquecem que muitas vezes para manter seus privilégios e desfrutes milhares de pessoas se sacrificam por eles. Penso que precisamos evoluir primeiro do ponto de vista lógico, superando uma visão ideológica arcaica que continuam a ser vendida como a única forma de ver o mundo, mas que está destruindo o lugar que precisamos para viver.

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  3. Eu diria, só nós podemos nos salvar…

    Individual ou coletivamente, Deus quer que nos mobilizemos. Afinal, quem pode salvar a Terra, os animais, as plantas? Eles até fazem a parte deles, mas só até determinado ponto. Por exemplo, as abelhas são fundamentais para a polinização e, sem elas, estaríamos em maus lençois. Sem os vegetais fazendo a fotossíntese e produzindo o oxigênio certamente morreríamos. Mas, eles não podem fazer tudo e, principalmente consertar os estragos excessivos que produzimos no meio ambiente nos últimos séculos. Temos, portanto, uma dívida para com Gaia e precisamos ajudá-la a nos ajudar. Chegou a hora e não há mais tempo a perder. Se pararmos hoje todas as emissões de gás carbônico, ainda assim, a temperatura média global vai aumentar uns 2º C, com todas as consequências já citadas no texto. As emissões só continuam a aumentar, assim como os debates e as discussões estéreis. É preciso por a mão na massa e agir, pois o tempo urge. políticosÉ verdade, aqui no Brasil, nos debates oficiais, agora é preciso ouvir mais os cientistas e menos políticos.

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  4. Concordo. Desenvolvida a civilização do prazer e do consumo, perdemos totalmente a relação com o CUIDADO com o mundo e com o outro. Nos acostumamos com a idéia de tentar ficar em pé, puxando o tapete sob nossos pés. Não há como sobreviver por muito tempo com isso. Há alguns dias escrevi uma pequena reflexão sobre isso:http://fransurian.wordpress.com/2012/01/10/chuvas-de-verao-catastrofe-ou-desinteresse/
    Deixo meu abraço carinhoso ao professor Leonardo, lembranças e saudades.

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  5. O cenário atual e o cenário futuro, são, estarrecedores, sob todos os aspectos, se não forem tomadas medidas extremas desde já. É uma coisa inquestionável, todos temos disso
    consciência, todos nós e nesta constatação, incluo os dirigentes e detentores do poder que têm a obrigação de agir no sentido de promover políticas e ações públicas que possam contribuir para, se não reverter o quadro de degradação ambiental vigente, para no mínimo reduzí-la e a partir daí, iniciarmos uma jornada para recuperarmos o nosso sofrido planeta. O texto é esclarecedor, todos deveríamos lê-lo sempre, para que seus conceitos se entranhem em nossos corações e mentes.

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  6. Precisamos nos atentar de que forma este dinheiro encaminhado para os estados estão sendo aplicados .recentemente a Folha publicou a não aplicação correta pelo governo mineiro do dinheiro enviado o ano passado para que se evitasse muito do que acontece hoje.

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  7. texto para ser lido e refletido.Temos que fazer alguma coisa e, já!Minha admiração e agradecimento prof.leonardo.

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