O coronavírus: o perfeito desastre para o capitalismo do desastre

A atual pandemia do coronavírus representa uma oportunidade única para repensarmos o nosso modo de habitar a Casa Comum, a forma como produzimos, consumimos e nos relacionamos com a natureza. Chegou a hora de questionar as virtudes da ordem do capital: a acumulação ilimitada, a competição, o individualismo, a indiferença face à miséria de milhões, a redução do Estado e a exaltação do lema de Wallstreet: ”greed is good”(a cobiça é boa). Tudo isso agora é posto em xeque. Ele tem dias contados.

O que agora nos poderá salvar não são as empresas privadas mas o Estado com suas políticas sanitárias gerais, sempre atacado pelo sistema do mercado “livre” e serão as virtudes do novo paradigma, defendidas por muitos e por mim, do cuidado, da solidariedade social, da corresponsabilidade e da compaixão.

O primeiro a ver a urgência desta mudança foi o presidente francês, neoliberal e vindo do mundo das finanças E. Macron. Falou claro:“Caros compatriotas, precisamos amanhã tirar lições do momento que atravessamos, questionar o modelo de desenvolvimento que nosso mundo escolheu há décadas e que mostra suas falhas à luz do dia, questionar as fraquezas de nossas democracias. O que revela esta pandemia é que a saúde gratuita sem condições de renda, de história pessoal ou profissão, e nosso Estado-de Bem-Estar Social não são custos ou encargos mas bens preciosos, vantagens indispensáveis quando o destino bate à porta. O que esta pandemia revela é que existem bens e serviços que devem ficar fora das leis do mercado”.

Aqui se mostra a plena consciência de que uma economia só de mercado, que tudo mercantiliza e sua expressão política o neoliberalismo são maléficas para a sociedade e para o futuro da vida.

Mais contundente ainda foi a jornalista Naomi Klein,uma das mais perspicazes críticas do sistema-mundo e que serviu de título ao meu artigo:”O coronavírus é o perfeito desastre pra o capitalismo do desastre”. Essa pandemia produziu o colapso do mercado de valores (bolsas), o coração deste sistema especulativo, individualista e antivida como o chama o Papa Francisco. Este sistema viola a lei mais universal do cosmos,da natureza e do ser humano: a interdependência de todos com todos; que não existe nenhum ser, muito menos nós humanos, como uma ilha desconectada de tudo o mais. Mais ainda: não reconhece que somos parte da natureza e que a Terra não nos pertence para explorá-la ao nosso bel-prazer,mas que nós pertencemos à Terra. Na visão dos melhores cosmólogos e dos astronautas que veem a unidade Terra e Humanidade, somos aquela porção da Terra que sente, pensa,ama,cuida e venera. Superexplorando a natureza e a Terra como se está fazendo no mundo inteiro, estamos nos prejudicano a nós mesmos e nos expondo às reações e até aos castigos que ela nos impõe. É mãe generosa, mas pode mostrar-se rebelada e enviar-nos um vírus devastador.

Sustento a tese de que esta pandemia não pode ser combatida apenas por meios econômicos e sanitários sempre indispensáveis. Ela demanda outra relação para com a natureza e a Terra. Se após passar a crise e não fizermos as mudanças necessárias, na próxima vez, poderá ser a última, pois nos fazemos os inimigos figadais da Terra. Ela pode não nos querer mais aqui.

O relatório do prof.Neil Ferguson do Imperial College of London declarou:” esse é o vírus mais perigoso desde a gripe H1N1 de 1918.Se não houver uma resposta imediata, haveria nos USA 2,2 milhões de mortos e 510 mil no Reino Unido”.Bastou esta declaração para que Trump e Johnson mudassem imediatamente de posição.Tardiamente se empenharam com fortunas para proteger o povo. Enquanto que no Brasil o Presidente não se importa,a trata como uma “histeria” e no dizer de um jornalista alemão da Deutsche Welle:”Ele age de forma criminosa. O Brasil é liderado por um psicopata, e o país faria bem em removê-lo o mais rápido possível. Razões para isso haveria muitas”. É o que o Parlamento e o STF federal, por amor ao povo, deveria sem delongas fazer.

Não basta a hiperinformação e os apelos por toda a mídia. Ela não nos move a mudar de comportamento exigido. Temos que despertar a razão sensível e cordial. Superar a indiferença e sentir, com o coração, a dor dos outros. Ninguém está imune do vírus. Ricos e pobres temos que ser solidários uns para com os outros, cuidarmo-nos pessoalmente e cuidar dos outros e assumir uma responsabilidade coletiva.Não há um porto de salvação. Ou nos sentimos humanos, co-iguais na mesma Casa Comum ou nos afundaremos todos.

As mulheres,como nunca antes na história, têm uma missão especial: elas sabem da vida e do cuidado necessário. Elas podem nos ajudar a despertar nossa sensibilidade para com os outros e para conosco mesmo.Elas junto com operadores da saúde(corpo médico e de enfermagem) merecem nosso apoio irrestrito. Cuidar de que nos cuida para minimizar os males desse terrível assalto à vida humana.

Leonardo Boff escreveu:Como saber cuidar e O cuidado necessário,ambos pela Vozes 2009 e 2013.

 

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19 comentários sobre “O coronavírus: o perfeito desastre para o capitalismo do desastre

    • É exatamente isto. As superfícies que o vírus tem longevidade são exatamente dos recursos tratados com ganância por parte dos grandes produtores de matéria para o mercado. É a oportunidade da sacudida das nossas consciências e até mesmo do inconsciente dada pelo cosmos, pela vida, pelo Divino, enfim pelo Grande Vida: Deus. Sacudamos a nossa consciência e inconsciente! Não sejamos escravos dos sistemas que destroem-nos. Comecemos pela mudança pelo nosso modo de consumir. Quanto mais eu compro o desnecessário mais eu levo o empresário e o mercado a agirem inecrupulosamente sobre a natureza.

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      • Gorete, seu discurso é fundamental. Precisamos aprender a lição que o vírus nos passa, bem na direção daquilo que vc propõe;caso contrário a Mãe Terra nos enviará vírus ainda piores até dermo-nos conta: ou mudamos ou desaparecemos todos. E há um grande repositório de virus letais de toda a humanidade.Que nos digam os biologos como o maior deles Edward Wilson. Com meu apoio Lboff

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      • Preciso agradecer ao Criador os momentos de alegria que Ele me proporciona, três vezes ao dia, quando os pássaros se banqueteiam em minha janela, com o alimento que ali para eles coloco. Louvado seja nosso Senhor Amoroso e Bom!

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  1. É lamentável que o ser criado à Imagem e Semelhança de Deus, se mostra insensível a ponto de destruir a Criação Divina. “Deus sempre perdoa, os humanos às vezes perdoam, a natureza jamais perdoa!”

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  2. Sempre realista e sensato nosso Frei Leonardo Boff. Obrigado por alertar os menos atenciosos sobre os limites da mãe Terra.

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    • De fato, deve ser repensado com urgência mas lembremos que a epidemia começou na China que escondeu o quanto pode sua periculosidade e só reconheceu sua existência quando a calamidade já estava instalada e explodindo.
      Ah, a China não é capitalista, apesar de fazer uso de uma mistura comunocapitaista selvagem em sua economia.
      A China é uma ditadura das mais brutais, talvez só perca para a Coréia do Norte em malignidade.

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      • Saulo, esse não é o momento de identificar culpados,mas de salvar vidas e de aprender da China que possui mais de 10 vezes a população do Brasil.Alguém caiu num poço e está se afogando e vc perguntando por que e como caiu lá dentro. Primeiro salvá-lo, depois perguntar por razões. Se não parece a Schadenfreude, a alegria pela desgraça do outro.

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  3. Texto que traduz o que penso, estabeleci um diálogo com ele, verdadeiro, real visionário, consegui me sentir co-autora por encontrar reciprocidade das ideias.

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  4. Uma resposta de esperança

    Amanheceu! É um novo dia.
    A vida segue em frente
    Pare! uma voz anuncia,
    E melhor você se sente.

    Noticiários mostram a realidade
    de um mundo que estarrecido
    se depara com a verdade
    que parecia ter esquecido:

    A vida é muito sagrada
    É mistério de amor
    Se em seus limites for respeitada
    poderemos vencer a dor.

    Este vírus invisível
    mostra-nos nossa impotência
    mas também torna visível
    a força da paciência.

    Parar, escutar, contemplar
    no silêncio rever atitudes
    ver, compadecer-se e cuidar
    eis o caminho das virtudes.

    Quando estes dias passarem
    sobreviventes serão mais irmãos
    e quando se encontrarem
    aprenderão a compaixão.

    A todos que neste tempo
    se dedicam nos hospitais
    Deus derrame sua bênção
    e lhes dê a sua paz.

    Partilho esta poesia como resposta ao texto. Fruto de silêncio orante e contemplativo… Sigamos no cuidado…
    Sua ex aluna e sempre admiradora
    Ir Luzia Ribeiro Furtado

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    • Cara Ir.Luzia, bela poesia cheia de sacralidade. Nunca deixe de escrever suas poesias, pois são elas que sempre recriam o mundo. Reze por mim que estou no tramontar da vida com 81 anos. No Senhor lboff

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  5. Permita-me sugerir mais um título para a bela reflexão “Muito além do Covid-19”. Digo isso porque a questão realmente vai bem mais longe do que alguns olhos podem ver.

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  6. Republicou isso em escreverparamudare comentado:
    As mulheres,como nunca antes na história, têm uma missão especial: elas sabem da vida e do cuidado necessário. Elas podem nos ajudar a despertar nossa sensibilidade para com os outros e para conosco mesmo.

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  7. Palmas para a Ir. Luzia por sua bela, obrante e esperançosa poesia!
    Mestre L. Bofe,
    Teu artigo ficou nota 10, como sempre!
    A sabedoria popular diz que “há males que vêm pra bem”. Tomara que desses males que a todos nos assola – governo Bolsonaro e Covid-19 – surjam um Brasil com pessoas mais sensatas, amorosas e comprometidas com a vida e uma humanidade nova, interligada com a Mãe Terra e preocupada com a saúde/cuidado dela em todos os sentidos. Quem sobreviver, Vera!

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